ENTREVISTA DO PRESIDENTE VLADIMIR PUTIN AO CANAL TELEVISIVO CBS E PBS
PARTE 2
Setembro 29, 2015
06:00
Novo-Ogaryovo, Moscow Region
Nota da Tradutora: A seguir menciono a fonte da única transcrição fidedigna. Tudo o que é mostrado nos sites americanos está deturpado, tendencioso e, por vezes, é incompreensível. Foi precisamente por encontrar incongruências e ter pedido a ajuda de um colega russo que vive na Ucrânia, para reproduzir o diálogo falado em russo, que cheguei ao site oficial, que o reproduz integralmente, sem manipular o texto a favor de ninguém.
CHARLIE
ROSE: Há pessoas na Rússia que sentem medo de si?
VLADIMIR
PUTIN: Penso que não. Reconheço que a maioria das pessoas confia em mim,
visto que votam em mim nas eleições. E isso é o mais importante. Esse facto
atribui uma grande responsabilidade, uma imensa responsabilidade sobre mim.
Estou grato ao povo pela confiança depositada, mas claro que sinto grande responsabilidade
pelo que faço e pelo resultado do meu trabalho.
CHARLIE ROSE: Como
sabe, é muito comentado nos Estados Unidos.
VLADIMIR PUTIN: Será que eles não têm mais nada que fazer? (Risos)
CHARLIE
ROSE: Ou talvez sejam curiosos? Ou talvez você seja uma pessoa interessante,
talvez seja o que parece? Em primeiro lugar, eles vêem-no como um líder forte e
poderoso, que se apresenta de uma maneira firme. Sabem que era um agente da KGB, que se aposentou e que se
embrenhou na política. Em São Petersburgo, desempenhou o cargo de Prefeito, em
seguida, mudou-se para Moscovo. E o que é interessante é que vêem fotografias
de si, de peito nu, a cavalo, e dizem: aqui está um homem que cultiva
plenamente a sua imagem de força. Pergunto: Esta
imagem é importante para si?
VLADIMIR PUTIN: Estou certo de que, afinal, qualquer homem no meu lugar deveria dar um exemplo
positivo aos outros. Nas áreas em que pode e deve fazê-lo. Na década de 1990 e
no início de 2000, houve uma situação social grave na Rússia; o nosso sistema
de protecção social foi destruído; surgiram inúmeros problemas com os quais não
temos sido capazes de lidar com muita eficiência, de nos livrarmos deles, na
área da saúde e do desenvolvimento desportivo. Creio que um estilo de vida
saudável é uma coisa extremamente importante que apoia a solução de muitos
problemas importantes, incluindo a saúde da nação. É impossível resolver
problemas de saúde de milhões de pessoas com a ajuda de comprimidos e pílulas.
As pessoas necessitam pôr em prática, ter paixão por resolver esses mesmos
probemas; um estilo de vida saudável, o exercício físico e o desporto deviam
estar na moda.
Por essa razão é que
acredito que está certo que não apenas eu, como também os meus colegas - o
Primeiro Ministro, os Ministros e os Deputados da Duma – que eles, como hoje,
por exemplo, participem em duas maratonas, que assistam a jogos de futebol e
que entrem em competições desportivas. É assim, entre outras coisas, que milhões
de pessoas começam a sentir interesse e a gostar de praticar ginástica e desporto.
Acredito que é extremamente importante.
CHARLIE ROSE: Escutei
o que disse e é importante. Mas posso sugerir que gosta da sua imagem de peito
nu, a cavalo? A imagem de um líder forte. É assim como quer ser visto, pelo seu
povo e pelo mundo?
VLADIMIR PUTIN: Quero que todos saibam que a Rússia em geral e a liderança russa, em
particular, é algo eficiente e em bom funcionamento. Que o país, as
instituições, os líderes estão representados por pessoas saudáveis e capazes,
que estão preparadas para cooperar com os nossos parceiros em todas as áreas: nos
desportos, na política, na luta contra as ameaças modernas. Não tenho nada a
não ser um sentimento positivo sobre esse assunto.
CHARLIE ROSE: Sim,
as pessoas acreditam que é um líder forte, por que tem um governo central forte
e pode sugerir o que irá acontecer se não o tiver. Sente mais curiosidade sobre
a América do que se ela fosse, simplesmente, outra nação com que tivesse de
lidar? Porque os americanos estão curiosos sobre si, como sugeri. Sente curiosidade?
Está a assistir aos debates políticos dos republicanos?
VLADIMIR PUTIN: Se me pergunta, se assisto diariamente - diría que não. Mas, para
nós é interessante saber o que está a acontecer nos EUA. É uma grande potência
mundial e hoje em dia, é um líder económico e militar – não há dúvida sobre
isso. Por esta razão é que a América tem uma forte influência sobre a situação
no mundo em geral. É claro que para nós é interessante saber o que está a
acontecer lá. Acompanhamos de perto os desenvolviementos nos EUA, mas se quiser
saber se seguimos os altos e baixos da vida política americana, diariamente -
diria mais depressa não, do que sim.
CHARLIE ROSE: Bem,
Donald Trump, sabe quem ele é, disse que gostaria de conhecê-lo, porque, segundo
ele, você iria lidar bem com ele.
VLADIMIR PUTIN: Oh,
sim, ouvi falar disso. Congratulamo-nos com quaisquer contactos com o futuro
presidente dos EUA, quem quer que ele ou ela seja. Qualquer pessoa que ganhe a
confiança do povo americano pode ter certeza da nossa cooperação.
CHARLIE ROSE: Marco
Rubio representa uma nomeação republicana e diz coisas terríveis de si.
Trata-se de um debate político, de uma campanha política e claro que compreendo.
Mas ele disse que você era um criminoso, estava a atacar, a si e à Rússia.
VLADIMIR PUTIN: Como posso ser um criminosos, se trabalhava para a KGB? É absolutamente ridículo.
CHARLIE ROSE: O que
mais gosta na América?
VLADIMIR PUTIN: A abordagem
criativa da América para resolver os problemas com que o país se depara, a sua
abertura e a abertura de espírito que torna possível libertar o potencial das
pessoas. Acredito que, em grande parte, é devido a estas qualidades que a
América tem feito progressos tão grandes no seu desenvolvimento.
CHARLIE ROSE: A
Rússia tinha o Sputnik, o seu país foi para o espaço antes dos Estados Unidos.
Tem astrofísicos extraordinários. Alcançou progressos espectaculares na
Medicina, na Ciência, e na Física. Tem esperança que pode restaurar a liderança
da Rússia e criar o mesmo tipo de inovação, que acabou de admirar na América? Irá
fazê-lo?
VLADIMIR PUTIN:Não
devemos perder o que foi criado ao longo das décadas anteriores, mas devemos
fornecer precisamente essas condições que mencionei para desbloquear o
potencial, o potencial completo dos nossos cidadãos. O nosso povo é muito
talentoso, temos uma base muito boa, como mencionou. Você disse que aprecia a
cultura russa, o que também é um grande fundamento para o desenvolvimento
interior.
Acabou de mencionar
as conquistas científicas russas. Precisamos mantê-las e criar oportunidades
para as pessoas se desenvolverem livremente e realizarem o seu potencial. Estou
certo, estou totalmente convencido, de que irá garantir o desenvolvimento
sustentável da ciência, da alta tecnologia e de toda a economia do país.
CHARLES ROSE: Na
América, como você sabe, o Supremo Tribunal discutiu a questão da
homossexualidade. Na América, o Supremo Tribunal debateu o direito
constitucional do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Você aplaude a América
a esse respeito? Considera que é uma boa idéia reconhecer o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, como sendo um direito constitucional?
VLADIMIR PUTIN: Você sabe que é um grupo de pessoas diversas. Por exemplo, alguns homossexuais
opõem-se à adopção de crianças por esses casais, opõem-se a si mesmos. Serão
menos democráticos do que outros membros dessa comunidade, da comunidade gay?
Não, provavelmente não. É, simplesmente, um ponto de vista de algumas pessoas.
O problema das minorias sexuais tornou-se deliberadamente controverso na Rússia.
Não existe tal problema na Rússia.
CHARLES ROSE: Por
favor, explique-nos.
VLADIMIR PUTIN: Deixe-me explicar. É bem sabido que a homossexualidade é crime nos Estados
Unidos, em quatro estados norte-americanos. Se é uma atitude boa ou má,
conhecemos a decisão do Tribunal Constitucional, mas este problema ainda não
tinha sido tratado, no entanto, está a ser resolvido pela legislação do Estados
Unidos. Não acontece esse caso na Rússia. Na Rússia pós-soviética ...
CHARLES ROSE: Você
condena essa atitude?
VLADIMIR PUTIN: Sim, condeno. Considero que, no mundo moderno, uma pessoa não pode
ser processada criminalmente e que os seus direitos não podem ser violados por
motivos de nacionalidade, etnia ou orientação sexual. É absolutamente
inaceitável. E não é o caso na Rússia. Se não me engano, havia o artigo 120 do
Código Penal da antiga URSS processava a homossexualidade. Abolimos essa
disposição; as pessoas já não são processados por
esse motivo. Os homossexuais na Rússia vivem e trabalham em paz, são
promovidos, recebem prémios nacionais pelo seu desempenho na Ciência, na Arte
ou qualquer outra esfera. São-lhes concedidas medalhas e condecorei-os eu
mesmo.
Qual foi a questão?
A questão diz respeito à proibição da promoção da homossexualidade entre
menores. De acordo com a minha mentalidade, não há nada de antidemocrático
neste acto jurídico. Pessoalmente, creio que as crianças devem ser deixadas
sozinhas, devem ter a oportunidade de crescer, tornar-se conscientes de si e
decidir quem são: homens ou mulheres, se querem ter um casamento tradicional ou
homossexual. Não vejo nestes princípios, qualquer violação aos direitos dos
homossexuais. Suponho que algumas pessoas especulam intencionalmente sobre esta
questão para representar a Rússia como um inimigo. É um dos instrumentos
políticos para atacar a Rússia.
CHARLES ROSE: Quem
comete esses ataques na Rússia?
VLADIMIR PUTIN: Aqueles que fazem isso. Você vê precisamente quem o faz.
CHARLES ROSE: Há
tanto reconhecimento dos direitos dos homossexuais e de casamentos gay como
existe nos EUA? É essa a sua posição?
VLADIMIR PUTIN: Não
só reconhecemos, como também garantimos os seus direitos. Na Rússia todas as
pessoas gozam de direitos iguais, incluindo os homossexuais.
CHARLES ROSE: A
Ucrânia. Já discutimos esse assunto. Muitas pessoas acreditam que, como
resultado do que aconteceu na Crimeia, os Estados Unidos e o Ocidente impuseram
sanções à Rússia. E essas sanções feriram-na. E que você acredita [que ao
tornar a emergir e] tentar ser uma força positiva no mundo e na Síria, pode de
alguma maneira, diminuir o foco da atenção sobre a Ucrânia.
VLADIMIR PUTIN: Você quer dizer que o fazemos para desviar a atenção da questão ucraniana? Que
as nossas acções na Síria são destinadas a desviar a atenção da Ucrânia ...
Não, é falso. Para
nós a questão ucraniana é um problema
enorme e diferente. Vou explicar-lhe por quê. A Síria é outro assunto; já lhe
disse que somos contra a desintegração, contra os terroristas que chegam ao
país, contra o regresso à Rússia das pessoas que estão a lutar lá a favor dos
terroristas. Há aí uma série de problemas. Quanto à Ucrânia, é um assunto
especial. A Ucrânia é o país que está mais próximo a nós. Dissemos sempre que a
Ucrânia é o nosso país irmão e é verdade. Não é apenas um povo eslavo, é o povo
mais próximo da Rússia: temos uma língua, uma cultura e uma religião
semelhantes e uma História comum.
Eis o que creio ser
completamente inaceitável para nós. Abordar questões, incluindo questões
controversas, como as que dizem respeito às
antigas repúblicas soviéticas através das chamadas revoluções coloridas,
através de golpes e meios inconstitucionais de derrubar o governo actual. De
facto, é absolutamente inaceitável. Os nossos parceiros, nos Estados Unidos não
escondem que apoiaram os que se opõem ao Presidente Yanukovych. Alguns declararam terem gasto vários biliões de
dólares.
CHARLIE ROSE: Acredita
que os Estados Unidos tiveram algo a ver com a destituição do Yanukovych,
quando ele teve de fugir para a Rússia?
VLADIMIR PUTIN:Tenho
a certeza.
CHARLIE ROSE: Como
pode ter a certeza?
VLADIMIR PUTIN: É
muito simples. Temos milhares de contactos e milhares de ligações com as pessoas
que vivem na Ucrânia. E sabemos que tevem reuniões e trabalhou com pessoas que
derrubaram Viktor Yanukovych, bem como quando e onde o fizeram; temos
conhecimento da maneira como a assistência foi fornecida, sabemos quanto
pagaram, os territórios e países onde os treinos foram feitos e como foram
efectuados e quem foram os instrutores. Sabemos tudo. Bem, na verdade, os
nossos parceiros norte-americanos não estão a guardar segredo sobre isso.
Admitem abertamente a prestação de assistência, a formação de pessoas e o gasto
de uma quantidade específica de dinheiro. Estão a referir elevadas somas de
dinheiro: cerca de US $ 5 biliões; estamos a falar em biliões de dólares
americanos. Por essa razão, é que já não é mais segredo; ninguém está a tentar
discutir sobre esse assunto.
CHARLIE ROSE:
Respeita a soberania da Ucrânia?
VLADIMIR PUTIN: Claro que sim. No entanto, gostaríamos que outros países
respeitassem a soberania de outros Estados, incluindo também a Ucrânia.
Respeitar a soberania significa prevenir golpes de Estado, acções
inconstitucionais e o derrubar ilegítimo do governo legítimo. Todas estas
acções deviam ser totalmente evitadas.
CHARLIE ROSE: Como
é que a renovação do poder legítimo acontece, de acordo com o seu julgamento?
Como irá acontecer? E que papel é que a Rússia irá desempenhar?
VLADIMIR PUTIN: Em
nenhum momento do passado, do presente ou do futuro, a Rússia fez ou virá a
tomar parte em acções destinadas a derrubar o governo legítimo. Estou agora a
falar de outra coisa - quando alguém o faz, o resultado é muito negativo. O
Estado da Líbia está desintegrado, o território do Iraque está inundado de
terroristas, parece que o cenário é o mesmo na Síria e você tem conhecimento de
qual é a situação no Afeganistão. O que aconteceu na Ucrânia? O golpe de Estado
na Ucrânia levou a uma guerra civil, porque, sim, vamos dizer, muitos
ucranianos já não confiavam no Presidente Yanukovych. No entanto, deveriam ter ido
às urnas de maneira legítima e votado noutro chefe de Estado, em vez de encenar
um golpe de Estado. E depois do golpe de Estado ter acontecido e de alguns o
terem apoiado, alguns estavam satisfeitos com o resultado, enquanto outros não
estavam. E os que não gostaram foram forçados a gostar. E isso conduziu a uma
guerra civil.
CHARLIE ROSE: Repito,
o que está preparado para fazer a respeito da Ucrânia?
VLADIMIR PUTIN: Deixe-me dizer-lhe. Se essa é a sua pergunta, então considero que tanto
a Rússia como outros outros actores internacionais, incluindo aqueles que estão
mais activamente envolvidos na resolução da crise ucraniana (que são a República
Federal da Alemanha e a França, o chamado Quarteto da Normandia, certamente com
o envolvimento profundo dos Estados Unidos e temos intensificado o diálogo
sobre esta questão), todos nós devemos estar comprometidos com a implementação
total e incondicional dos acordos que foram alcançados em Minsk. Os Acordos de
Minsk têm de ser postos em prática.
CHARLIE ROSE: Foi
o que John Kerry disse ontem, após ter-se reunido com o Ministro dos Negócios
Estrangeiros britânico. Ele mencionou a Ucrânia a seguir à Síria. Disse:
"Temos de implementar completamente os Acordos de Minsk". Será que
significa que você e John Kerry estão de acordo sobre esta questão: a aplicação
dos Acordos de Minsk?
VLADIMIR PUTIN: Sim,
estamos plenamente de acordo. Será que pode pôr à prova a sua paciência e
escutar-me durante dois minutos sem interrupções? Peço-lhe para não omitir esta
informação.Poderá fazê-lo? Tem autoridade suficiente para fazê-lo?
CHARLIE ROSE: Sim, tenho.
VLADIMIR PUTIN: A
implementação dos acordos de Minsk envolve várias questões, mas vou evidenciar os
pontos principais. Para haver uma mudança drástica na Ucrânia, nada é mais importante
do que as transformações políticas.
Em primeiro lugar,
a Constituição deve ser alterada, tal como foi estipulado nos acordos Minsk. E
o mais importante é que os Acordos de Minsk dizem que essa alteração deve ser
feita em coordenação com Donetsk e Lugansk. É uma questão de princípio. Precisamente
agora (Setembro de 2015) a Ucrânia está no processo de alterar a sua
Constituição. A primeira leitura terminou, mas ninguém discutiu um único ponto
com Donetsk e Lugansk e ninguém tem a intenção de o fazer. Esse é o primeiro
ponto.
Em segundo lugar,
(e está claramente estabelecido nos Acordos de Minsk) a lei sobre a ordem
especial de haver um auto-governo local nessas regiões, que já foi legitimada
na Ucrânia, tem de ser implementada. A lei foi ratificada, mas a sua execução
foi adiada. Isso significa que os Acordos de Minsk não foram implementados.
Em terceiro lugar, precisa
ser sancionada uma lei de amnistia. Pensa que é possível ter um diálogo com os
representantes de Lugansk e Donetsk, quando todos estão a ser processados e sujeitos a processos crime? É exactamente por esta
razão que os Acordos de Minsk estabeleceram legitimar uma lei de amnistia. No
entanto, não foi aprovada.
Existe um número
avultado de outros pontos. Quero dizer, a realização de eleições locais, por
exemplo, os Acordos de Minsk dizem claramente para validar uma lei sobre
eleições locais em coordenação com Donetsk e Lugansk. A lei sobre as eleições
locais foi aprovada na Ucrânia, os representantes do Donetsk e Lugansk
transmitiram as suas propostas sobre esta lei três vezes, mas nunca ninguém
respondeu, embora os acordos Minsk afirmem claramente: "de acordo com
Donetsk e Lugansk." Sabe, respeito e aprecio John Kerry, porque é um
diplomata experiente. Disse-me uma vez, que se opôs ao Star Wars numa dada
altura e tinha razão. Talvez, se fosse ele que tivesse de decidir sobre o
sistema ABM, presentemente, poderiamos não ter tido nenhum conflito sobre a defesa
contra mísseis balísticos. No entanto, ele diverge, no que diz respeito à situação
na Ucrânia. De um lado, Kiev, diz que tem feito muito e que tem implementado os
Acordos de Minsk, mas não é o caso, uma vez que estas acções devem ser feitas
de acordo com Donetsk e Lugansk. No entanto, não existe nenhuma coordenação, de
maneira nenhuma.
Quanto à aplicação
da lei já aprovada por ordem especial para o auto-governo local nessas regiões,
os Acordos de Minsk afirmam que devia ser feito "dentro de 30 dias".
Nada foi feito e a implementação foi adiada. É exactamente por esse motivo, que
defendemos a aplicação plena e incondicional dos Acordos de Minsk por ambos os
lados, em estrita conformidade com a linguagem dos Acordos, e não segundo
interpretações tendenciosas.
CHARLIE ROSE:
Concedi-lhe quatro minutos e não interrompi, não é verdade?
VLADIMIR PUTIN: Pude ver que se esforçou por não interromper. Estou-lhe muito grato por isso.
CHARLIE
ROSE: Tem razão, gostei do seu discurso.
VLADIMIR PUTIN: De
facto, estou a dizer-lhe a verdade.
CHARLIE ROSE: Os americanos vão vê-lo como nunca o tinham
visto. É mais conversador e expressivo. Realmente, isso é bom.
VLADIMIR PUTIN: Obrigado.
Na verdade, tudo o que disse é rigorosamente verdadeiro. Compreende? Os Acordos
de Minsk não vão ajudar a resolver os problemas se Kiev agir sempre
unilateralmente, embora os Acordos de Minsk declarem "de acordo com
Donbass". [Não há coordenação.] É uma questão de princípio.
Charlie Rose:
Realmente pensa assim?
VLADIMIR PUTIN: Não há muito em que pensar, está tudo escrito, a única coisa a
fazer é lê-lo. Está declarado "por acordo com Donetsk e Lugansk",
basta ler o documento. Estou a dizer-lhe, lá não existe coordenação, é isso.
Está estipulado: "para introduzir uma lei sobre o estatuto especial dentro
de 30 dias". Mas não foi introduzida. A questão é: Quem é que não aplica
os Acordos de Minsk?
CHARLIE ROSE: Mencionou
o Secretário de Estado; ele também disse que é importante não só implementar os
Acordos de Minsk, mas também que os separatistas desistam da ideia de eleições
independentes. John Kerry disse isso ontem.
VLADIMIR PUTIN: Estou familiarizado com a posição dos nossos amigos americanos e é
isto que tenho a dizer. Acabo de dizê-lo. Em vez disso, o que é que aconteceu?
Kiev aprovou a lei sem ter tido qualquer tipo de discussão com Donetsk e
Lugansk e ignorando completamente o decreto que eles enviaram três vezes. Não
houve diálogo nenhum; aprovaram a lei sem ter feito qualquer consulta. Além do
mais, a lei aprovada por Kiev afirma que não devem ser realizadas eleições em
Donbass. Então, que tipo de lei é essa? De facto, eles fizeram com que os
representantes de Donetsk e Lugansk realizassem as suas próprias eleições. É
tal e qual. Estamos prontos para discutir estas questões com o Sr. Kerry, mas,
antes de tudo, temos de garantir que ambos os lados cumprem os compromissos
escritos, em vez de tentar passar as suas iniciativas como se fosse algo bom.
CHARLIE ROSE: Escuto-o,
mas queria repetir, que o Secretário de
Estado Kerry enfatizou eleições separatistas. Sim, de facto, estou a escutá-lo.
VLADIMIR PUTIN: Neste caso, o Secretário de Estado Kerry está a esquivar-se como diplomata, mas
óptimo, é o seu trabalho. Todos os diplomatas se esquivam e ele está a fazer o
mesmo.
CHARLIE
ROSE: Você nunca iria agir dessa maneira, não é verdade?
VLADIMIR PUTIN: Eu não faria isso. Não sou diplomata.
CHARLIE ROSE: Quem
é você? Como você se vê?
VLADIMIR PUTIN: Sou um ser humano, um cidadão da Federação Russa, um russo.
CHARLIE ROSE: Também
disse que a pior coisa que aconteceu no século passado foi a desintegração da
União Soviética, o império soviético. Há os que olham para a Ucrânia e para a
Geórgia e pensam que você não quer recriar o império soviético, mas deseja
recriar uma esfera de influência, pois pensa, que a Rússia merece por causa do
relacionamento que tem existido. Por que é que está a sorrir?
VLADIMIR PUTIN: (Rindo) As suas perguntas alegram-me. Alguém está sempre a suspeitar que a
Rússia tem algumas ambições, há sempre os que estão a tentar interpretar-nos
mal ou a controlar-nos. Eu disse que vejo o colapso da União Soviética como uma
grande tragédia do século XX. Sabe por quê? Em primeiro lugar, porque 25
milhões de pessoas russas, de repente,
ficaram fora das fronteiras da Federação Russa. Estavam habituados a viver num
estado; a União Soviética foi tradicionalmente denominada como Rússia, a Rússia
Soviética, e era a grande Rússia. Em seguida, a União Soviética, de repente
desfez-se, de facto, da noite para o dia e descobriu-se que nas antigas
repúblicas da União Soviética, havia 25 milhões de russos. Eles costumavam
viver num país e, de repente, ficaram no exterior. Pode imaginar quantos
problemas surgiram?
Primeiro, houve
problemas quotidianos, a separação de famílias, os problemas económicos e
sociais. A lista é interminável. Considera que é normal 25 milhões de pessoas
do povo russo, de repente, verem-se além fronteiras/no exterior? Hoje em dia, os
russos acabaram por ser a maior nação dividida do mundo. Não é um problema? Não
é um problema para si, mas é um problema para mim.
CHARLIE
ROSE: Como pensa resolver esse problema?
VLADIMIR PUTIN: Queremos, pelo menos, preservar o espaço humanitário comum, dentro de uma
moldura civilizada moderna, queremos garantir que não existam fronteiras
nacionais, de modo que as pessoas possam comunicar livremente uns com os outros
e queremos que a economia comum se desenvolva, utilizando as vantagens que
herdamos da União Soviética. Quais são? Incluem uma infraestrutura comum, o
transporte ferroviário, a rede rodoviária, o sistema de energia e, finalmente,
ouso dizer, a grande língua russa, que une todas as antigas repúblicas da União
Soviética e que nos dá vantagens claramente competitivas para promover vários
projectos de integração na área da antiga União Soviética.
Provavelmente já
ouviu falar que, primeiro, tínhamos estabelecido a União Aduaneira que depois
se transformou na União Económica da Eurásia. Quando as pessoas se comunicam
livremente, quando a força de trabalho, os bens, os serviços e os fundos
monetários circulam livremente, quando não há linhas divisórias estatais e
quando temos uma legislação comum, por exemplo, na esfera social - tudo o que é
suficientemente bom - as pessoas sentem-se em liberdade.
CHARLIE ROSE: Teve
de usar a força militar para alcançar esse objectivo?
VLADIMIR PUTIN: Claro que não.
CHARLIE ROSE: A
Rússia tem uma presença militar junto às fronteiras com a Ucrânia e alguns
argumentam que houve tropas russas na própria Ucrânia.
VLADIMIR PUTIN: Vocês têm uma presença militar na Europa?
CHARLIE ROSE: Sim.
VLADIMIR PUTIN: As
armas nucleares tácticas dos EUA estão na Europa, não nos esqueçamos disso.
Será que significa que os EUA ocuparam a Alemanha ou que os EUA nunca acabaram
com a ocupação após a Segunda Guerra Mundial e só transformaram as tropas de
ocupação em forças da OTAN/NATO? É uma maneira de ver este problema, mas não
dizemos isso. E se mantivermos as nossas tropas no nosso território, na fronteira
com algum estado, você considera que é um crime?
CHARLIE ROSE: Não
disse que era um crime.
VLADIMIR PUTIN: Todos os processos que mencionei, a integração económica, humanitária e social
natural, não necessitam de ser impostas através de quaisquer forças armadas.
Nós estabelecemos a União Aduaneira e da União Económica da Eurásia não pela
força, mas através de um compromisso. Foi um processo desafiador e complicado,
de vários anos e com base no acordo, no compromisso e em condições mutuamente
aceitáveis, na esperança de criar para as nossas economias e para o nosso povo as
melhores vantagens competitivas nos mercados mundiais e no mundo como um todo.
CHARLIE
ROSE: Então, por que motivo estamos a falar disto? Fale-me dos Estados
Bálticos e das suas intenções em relação a esses mesmos Estados.
VLADIMIR PUTIN: Gostaríamos
de construir relações de amizade e de parceria com eles. Muitos russos têm
vivido lá desde o colapso da União Soviética. Eles estão a ser discriminados e
os seus direitos estão a ser violados. Sabia que muitos dos Estados Bálticos
inventaram algo novo, no Direito Internacional? Que noções relacionadas com a
cidadania é que o Direito Internacional tinha antes? A resposta é: um cidadão,
um estrangeiro, um apátrida e um cidadão de dupla nacionalidade ou pessoas com
dupla cidadania. As Repúblicas Bálticas
inventaram algo totalmente novo. Sabe o quê? Eles usam a palavra
"não-cidadãos" para as pessoas que vivem há décadas no território dos
Estados Bálticos e que foram privadas de uma série de direitos políticos. Não
podem participar nas campanhas eleitorais; têm direitos políticos e sociais
limitados. Todos se calam sobre este assunto, como se fosse o caminho que deve
ser. Claro, não podia deixar de causar uma certa reacção. Parto do princípio
que os nossos colegas dos Estados Unidos e da União Europeia vão proceder de
acordo com o Direito Humanitário actual e vão garantir as liberdades políticas
e os direitos de todas as pessoas, incluindo os que estão a viver no território
dos Estados do Báltico, após a desintegração da União Soviética. Quanto às
relações económicas, temos contactos sustentáveis e altamente desenvolvidos com estes países.
Mas, sabe, existem
algumas coisas que me confundem (para dizer o mínimo).
CHARLIE
ROSE: Causam-lhe confusão?
VLADIMIR PUTIN: Confundem-me
e decepcionam-me. Todos nós dizemos que precisamos de reunir os nossos pontos
de vista, para prosseguir a integração económica e política.
Por exemplo, os
Países Bálticos (já mencionei que, desde os tempos soviéticos temos uma fonte
de alimentação de energia e um sistema de energia comuns) faziam parte,
naturalmente, de uma rede de energia comum da União Soviética. O que é que
estão a fazer agora? Todos parecem estar a falar sobre a convergência da Rússia
e da União Europeia. Mas o que é que está realmente a acontecer? Hoje em dia, existem
planos para separar os Estados Bálticos do sistema de energia comum da antiga
União Soviética e integrá-los no sistema europeu. Na prática o que é que isso significa para nós?
Na prática, significa que um certo número de zonas irão surgir entre várias
regiões da Federação Russa, onde não teremos nenhuma linha de transmissão de
energia, visto que antes estávamos habituados a ter uma estrutura de transição
através dos Países Bálticos. O que quer dizer que vamos ter de reformar o
sistema, gastando biliões de dólares, bem como os nossos parceiros europeus que
também terão de gastar biliões de dólares para integrar os Países Bálticos na
sua rede eléctrica. Para quê? Se, efectivamente, procuram algum tipo de
trabalho conjunto e de integração, não apenas por palavras, mas também por actos,
qual é a utilidade de tudo isso? É o que acontece em muitas áreas - eles fazem
o oposto do que falam.
Em minha opinião,
todos estes problemas estão relacionados com o crescimento e creio que no final,
o bom senso vai prevalecer - nesta ou noutras áreas. Estamos todos interessados
num desenvolvimento aberto, sem qualquer
preconceito; isto diz respeito em particular e, talvez, principalmente aos Países
Bálticos. Para eles é mais importante do que para a Rússia. Tomemos como
exemplo, a Lituânia. Sabe, qual era a sua população nos tempos da União
Soviética? Era de 3,4 milhões de pessoas. Era um país pequeno, uma pequena
república. E o que é agora? Embora tenha consultado as estatísticas recentes,
hoje a população deste país é de 1,4 milhões de pessoas. Onde estão as pessoas?
Mais de metade dos cidadãos deixaram o país. Pode imaginar uma situação em que
mais da metade dos norte-americanos deixassem o território dos Estados Unidos? Seria
uma catástrofe! O que é que significa? Que os laços quebrados, em primeiro lugar,
na economia, prejudicam todos nós, incluindo a Rússia. Então, estou
profundamente convencido de que devemos abandonar as fobias do passado, olhar
para a frente, para o futuro e, se bem que agindo com base no Direito Internacional,
devemos estabelecer relações iguais e de boa vizinhança.
CHARLIE
ROSE: E, claro, temos de levantar as sanções.
VLADIMIR PUTIN: Se
alguém prefere trabalhar por meio de sanções, congratulamo-nos que o faça. Mas
as sanções são uma medida temporária. Em primeiro lugar, elas contradizem o
Direito Internacional. Em segundo lugar, diga-me onde a política das sanções
provou ser eficaz. A resposta está longe; e as sanções contra países como a
Rússia não são susceptíveis de ser eficientes.
CHARLIE ROSE: Uma
vez que as sanções foram impostas, mesmo os seus amigos estão preocupados com a
economia russa. Em primeiro lugar, por causa das sanções, mas também devido à
queda dos preços do petróleo. É um enorme desafio para si? É uma realidade
económica global preocupante?
VLADIMIR PUTIN: Sabe,
as sanções, como eu disse, são acções ilegais, destruindo os princípios da
economia global internacional, os princípios da OMC = Organização Mundial do Comércio e da ONU. As sanções podem ser impostas apenas por decisão do Conselho de
Segurança da ONU. A imposição unilateral de sanções é uma violação da lei
internacional. Bem, se bem que assim seja, vamos deixar de lado o aspecto
legal da questão. Claro, elas são prejudiciais, mas não são a principal razão
para a desaceleração das taxas de crescimento da economia russa ou de outros
problemas relacionados com a inflação. Para nós, a principal razão é,
naturalmente, a diminuição dos preços nos mercados mundiais dos nossos produtos
tradicionais de exportação, em primeiro lugar, do petróleo e, consequentemente,
do gás e de alguns outros produtos. Este é o factor fundamental. Claro que as
sanções têm um certo impacto, mas não são de importância crucial e fundamental
para a nossa economia.
CHARLIE ROSE: Vocês
irão sobreviver às sanções?
VLADIMIR PUTIN: Naturalmente que sim, para além de qualquer dúvida e está mesmo fora de
discussão. As sanções ainda têm uma certa vantagem. Sabe qual é? A vantagem é
que antes costumávamos comprar diversos produtos, especialmente na área de alta
tecnologia, com petrodólares. Hoje, devido às sanções, não podemos comprar ou receamos
que nos seja negado o acesso a bens de alta tecnologia e tivemos de implantar
programas em larga escala para desenvolver a nossa própria economia de alta
tecnologia aplicada à indústria, à manufactura e à ciência. Na verdade,
teríamos que fazê-lo, de qualquer maneira, mas pensávamos que era difícil,
visto que os nossos próprios mercados internos estarem cheios de produtos
estrangeiros e descobrimos que é muito difícil apoiar os nossos fabricantes
locais dentro dos regulamentos da OMC. Agora, com as sanções em vigôr e depois
dos nossos parceiros terem deixado o nosso mercado voluntariamente, temos uma excelente
oportunidade para a desenvolver.
CHARLIE ROSE: Tenho
mais duas perguntas a fazer: Foi Presidente, Primeiro Ministro e outra vez
Presidente.Quanto tempo tenciona servir e o que quer deixar como seu legado? Isto
é uma pergunta.
VLADIMIR PUTIN: O
período do meu serviço dependerá de duas condições. Em primeiro lugar, é claro
que existem regras estipuladas pela Constituição e que, certamente, não irei
infringir. Mas não tenho a certeza se deveria tirar o máximo proveito desses
direitos constitucionais. Vai depender da situação específica de cada país, do
mundo e dos meus próprios sentimentos sobre esses assuntos.
CHARLIE
ROSE: E o que quer que seja o seu legado?
VLADIMIR PUTIN: Que a Rússia seja um estado eficiente e competitivo, com
uma economia sustentável, com um sistema flexível de desenvolvimento social e
político em relação às mudanças a ocorrer dentro do país e em todo o mundo.
CHARLIE ROSE: Deve
desempenhar o papel principal no mundo?
VLADIMIR PUTIN: Como disse, deve ser competitiva, capaz de proteger os seus
interesses e influenciar os processos que são importantes para conseguí-lo.
CHARLIE ROSE: Muitos
dizem que você é todo-poderoso e crêem que pode fazer tudo o que quiser.O que é
que quer? Diga à América e ao mundo o que é que Vladimir Putin quer.
VLADIMIR PUTIN: Quero
que a Rússia seja da maneira como a descrevi. É o meu maior desejo. Quero que o
povo seja feliz e quero que os nossos parceiros em todo o mundo procurem
desenvolver relações com a Rússia.
CHARLIE
ROSE: Obrigado. Obrigado, foi um prazer.
VLADIMIR PUTIN: Obrigado.
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
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