MANLIO DINUCCI
GUERRA NUCLEAR
O DIA ANTERIOR
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe
9.4 A desatracagem da Itália da máquina
de guerra USA/NATO, para uma Itália soberana e neutra, liberta de armas
nucleares
A Itália assinou, em 1969 e ratificou, em 1975,
o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares que, no Artigo 2 estabelece:
«Cada um dos Estados militarmente não nucleares, que seja Parte do Tratado,
compromete-se a não receber de quem quer que seja, armas nucleares ou outros
dispositivos, nem o controlo sobre essas armas e engenhos explosivos nucleares,
directa ou indirectamente».
Esse compromisso é iludido pelo facto da
Itália fazer parte da NATO, a qual, no Conceito Estratégico de 2010 , adoptado pela Cimeira de Lisboa, estabelece: « A garantia suprema da
segurança dos Aliados é fornecida pelas forças nucleares estratégicas da
Aliança, particularmente, as dos Estados Unidos; as forças nucleares
estratégicas independentes, do Reino Unido e da França, que têm a sua própria
função de dissuasão, contribuem para a dissuasão e para a segurança total dos
Aliados».
Dentro da NATO, a Itália faz parte do Grupo
de planificação nuclear, formado pelos Ministros da Defesa de todos os países
membros, excepto o da França, que se encontram regularmente para discutir e
decidir (sempre à porta fechada) sobre as questões específicas da política nuclear
da Aliança.
Ao mesmo tempo, a Itália faz parte, no
interior da NATO, do grupo de países que «fornecem à Aliança, aviões de dupla
capacidade, disponíveis para as funções nucleares». A NATO especifíca que «na
sua função nuclear, estes aviões estão equipados para transportar bombas
nucleares e o pessoal está instruído para esse fim», mas que «os Estados Unidos mantém o controlo absoluto e a guarda das armas nucleares associadas». Deste modo, a NATO admite, oficialmente, que os Estados Unidos
fornecem armas nucleares aos países membros da Aliança não nucleares, violando
o Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares, assinado pelos Estados
Unidos em 1968 e ratificado em 1970, cujo Artigo 1 estabelece:«Cada um dos
Estados militarmente nucleares, que seja Parte do Tratado, compromete-se a não
transferir a quem quer que seja, armas nucleares ou outros dispositivos
nucleares explosivos ou o controlo dessas armas e engenhos explosivos, directa
ou indirectamente».
O facto de que os pilotos italianos são
treinados para o ataque nuclear sob comando USA – segundo confirma a FAS – é
demonstrado pela presença em Ghedi do 704th
Munitions Support Squadron, uma das quatro unidades da U.S. Air Force
deslocada nas bases europeias (além disso, em Itália, na Alemanha, Bélgica e
Holanda) «onde as armas nucleares USA estão destinadas a ser lançadas pelos
aviões dos países hospedeiros». Os pilotos dos quatro países europeus e os
pilotos turcos, já peritos no uso da bomba B-61, são agora preparados nos centros de
treino, nos EUA, para usar a B61-12. A sua preparação é completada com o Steadfast Noon, o exercício anual de guerra nuclear da NATO, ocorrido em 2013,
em Aviano e em 2014, em Ghedi.
A Itália – que não só faz parte do Grupo de
planificação Nuclear, mas é um dos países que fornecem à NATO, aviões e pilotos
para o ataque nuclear – não pode tomar decisões autónomas, em contraste com o
Conceito Estratégico 2010, que ela própria aprovou na Cimeira de Lisboa. O
Conceito Estratégico estabelece que «as armas nucleares constituem uma
componente fundamental da capacidade de dissuasão e defesa da NATO, juntamente
com as forças convencionais e de defesa missilística». O mesmo «compromete a
NATO a lutar pelo objectivo de criar as condições para um mundo sem armas
nucleares, mas confirma que, enquanto houver no mundo armas nucleares, a NATO permanecerá uma aliança nuclear».
Isto explica a posição assumida pela Itália a respeito do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, votado pela maioria, nas Nações Unidas, em 7 de Julho de 2017.
Exprimindo profunda preocupação pelas consequências humanitárias catastróficas
de qualquer uso de armas nucleares e reconhecendo a necessidade consequente de
eliminar completamente essas armas, o Tratado compromete os Estados aderentes a
não produzir nem possuir armas nucleares, a não usá-las, nem ameaçar usá-las, a
não transferí-las nem a recebê-las, directa ou indirectamente. Este é o ponto
fundamental de força do Tratado, que visa criar «um instrumento juridicamente
vinculativo para a proibição das armas nucleares, que conduza à sua eliminação
total».
O Tratado é votado em 2017 por uma maioria
de 122 Estados, entre os quais a Austria, Bangladesh, Bolívia, Brasil, Cuba,
Indonésia, Irão, Iraque, México, Myanmar, Nigéria, Nova Zelandia, Peru, Africa
do Sul, Suécia, Suiça e Venezuela. O Tratado - que para entrar em vigor tem de
ser assinado e ratificado por 50 Estados – é apenas vinculativo para os Estados
que aderem ao mesmo e não os proíbe de fazer parte de alianças militares com
Estados que possuem armas nucleares. Além do mais, cada um dos Estados
aderentes «tem o direito de retirar-se do Tratado, se decidir que acontecimentos
extraordinários relativos à matéria do Tratado possam colocar em perigo os
supremos interesses do próprio país». Fórmula vaga que permite em qualquer
momento a qualquer Estado aderente romper o acordo, dotando-se de armas
nucleares.
O maior limite consiste no facto de que não
adere ao Tratado nenhum dos Estados que possuem armas nucleares: os Estados
Unidos e as duas outras potências nucleares da NATO, França e Grã-Bretanha, que
possuem globalmente 7.000 ogivas nucleares; a Rússia que possui outro tanto; a China, Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte, com arsenais menores mas nem
por isso, desprezíveis. Não aderem ao Tratado os outros membros da NATO, em
particular a Itália, a Alemanha, a Bélgica, a Holanda e a Turquia, que albergam
bombas nucleares dos Estados Unidos da América. A Holanda, depois de ter
participado nas negociações, esprime um parecer contrário no momento da
votação. Não aderem ao Tratado, globalmente, 73 Estados membros das Nações
Unidas, entre os quais surgem os principais parceiros dos USA/NATO: Ucrânia, Japão e Austrália.
Não obstante esses limites, o Tratado das
Nações Unidas sobre a Proibição das Armas Nucleares, constitui um marco sobre a
única maneira viável de acabar no baralho da guerra nuclear. «Pelo seu empenho
em chamar a atenção para as consequências catastróficas humanitárias de
qualquer uso de armas nucleares e pelos seus esforços inovadores para uma
proibição dessas armas com base num tratado», a International Campaign to Abolish Nuclear Weapons (ICAN), uma
coligação de organizações não-governamentais de uma centena de países, é
distinguida com o Prémio Nobel da Paz, em 2017.
O Tratado é aberto às assinaturas, no
Palácio de Vidro, em New York, em 20 de Setembro de 2017. No dia anterior, na
Câmara dos Deputados, em Roma, é aprovada uma moção que compromete o governo a «continuar a perseguir o objectivo de um
mundo sem armas nucleares através da centralidade do Tratado de
Não-Proliferação, avaliando, de forma compatível com as obrigações assumidas na
Aliança Atlântica, a possibilidade de aderir ao Tratado para vetar as armas
nucleares, aprovado pela Assembleia Geral da ONU». O Governo exprime «parecer
favorável» sobre a moção, mas no dia seguinte, com os outros 28 membros do
Conselho do Atlântico Norte, rejeita na totalidade e ataca o Tratado sobre a
Proibição das Armas Nucleares.
O Conselho do Atlântico Norte, na Declaração de 20 de Setembro de 2017, sustenta que «um Tratado que não compromete nenhum dos Estados possuidores
de armas nucleares não será eficaz, não aumentará a segurança nem a paz
internacionais, mas arrisca-se a fazer o oposto, criando divisões e
divergências». Também esclarece, sem meias palavras, que «não aceitaremos
nenhum argumento contido no Tratado». Anuncia, igualmente, que «iremos intimar
os nossos parceiros e todos os países que tencionarem apoiar o Tratado, a
reflectirem seriamente nas suas implicações» (leia: entraremos em contacto para
que não o assinem nem o ratifiquem).
O Conselho do Atlântico Norte desautoriza,
portanto, os parlamentos nacionais dos países membros, privando-os da soberania
de deciderem autonomamente se devem ou não aderir, ao Tratado das Nações Unidas
sobre a Abolição das Armas Nucleares.
Isto colaca em termos muito claros a
questão essencial: como é possível fazer qualquer coisa, em Itália, para
desactivar a escalada nuclear e contribuir para a eliminação completa das armas
nucleares, permanecendo numa Aliança que vos priva da soberania de decidir sobre
uma questão de importância fundamental e que confia a nossa «segurança» à «garantia suprema fornecida pelas forças nucleares
estratégicas da Aliança, particularmente as dos Estados Unidos»?
Em essência, levanta a questão da Itália
pertencer à NATO. Há quem diga que se pode permanecer na NATO, mantendo a sua
autonomia de escolha, ou seja, tendo a possibilidade de decidir, de vez em
quando, no parlamento nacional, se deve participar ou não, numa determinada
iniciativa da Aliança Atlântica. Ilusão ou pior que isso. No Conselho do Atlântico
Norte, as normas da NATO estabelecem: «Não há voto nem decisão maioritária»,
mas «as decisões são tomadas por unanimidade e de comum acordo», ou seja, de
acordo com os Estados Unidos da América, a quem pertence, por direito, o cargo
de Comandante Supremo Aliado na Europa e os outros comandos chave,
compreendendo o do Grupo de Planificação Nuclear da NATO. Entre as muitas
variantes de tal ilusão existe a dos F-35 americanos, aviões projectados para o
ataque nuclear, sobretudo com bombas B 61-12, para cujo uso já se estão a
preparar os pilotos italianos, para que possam ser usados pela Itália, com uma
espécie de segurança que impeça o uso de armas nucleares.
No grande espectáculo mediático da
política, os ilusionistas e os funâmbulos exibem-se, participando em marchas
pela paz e assinando apelos para um mundo sem armas nucleares, ou seja, para
algo que actualmente é impossível, mas não fazem nada para realizar o que hoje
seria possível: uma batalha decisiva para libertar a Itália de armas
nucleares, que não servem a nossa segurança mas que nos expõem a riscos
crescentes. É o único modo, através do qual, em Itália, se pode realmente
contribuir para desarmar a escalada que conduz à guerra nuclear, concretizando
um verdadeiro passo em frente para a eliminação total das armas nucleares.
Para fazê-lo, é necessário bater-se em
campo aberto, para que a Itália cesse de violar o Tratado de Não-Proliferação.
Impondo aos EUA para que removam imediatamente as suas armas nucleares do nosso
território nacional e, ao mesmo tempo, para que a Itália, ao libertar-se, adira
ao Tratado das Nações Unidas sobre a proibição das Armas Nucleares. Mesmo que
não houvesse tratado vinculativo, este seria o objectivo pelo qual lutar.
Os princípios da Constituição italiana e
os verdadeiros interesses nacionais tornam indispensável a remossão do nosso
território nacional não só das armas nucleares, mas das bases USA e das bases NATO sob comando USA, as quais, além de ter a função de projectar forças
convencionais em acções ofensivas para o Sul e para Leste, têm a função de
poder lançar um ataque nuclear das posições avançadas, situadas no nosso país,
tornando-o um alvo prioritário de uma inevitável retaliação nuclear.
Por outras palavras, deve quebrar-se o
Grande Tabú que domina o mundo político e institucional, indicando claramente o
objectivo a atingir: a saída da Itália da NATO e a saída da NATO de Itália, para
contribuir para a dissolução da Aliança Atlântica e de qualquer outra aliança
militar. Objectivo considerado louco pelos que acreditam que a Aliança
Atlântica é qualquer coisa sagrada e intocável; considerado perigoso por quem
sabe que, colocando-se contra a NATO, põe em risco a sua carreira política;
considerado impossível por quem pensa que não pode existir uma Itália soberana
e neutra.
Os obstáculos que se interpõem à
realização desse objectivo são gigantescos. O Poder dominante baseia a sua
força não só nos instrumentos políticos, económicos e militares, mas sobre o
controlo da mente, propósito possível através de um aparelho mediático
globalmente difundido que, sobretudo através da televisão, induz a acreditar
que existe apenas aquilo que se vê e não existe o que não se vê.
O controlo da mente através do aparelho
mediático dominante permite, por um lado, tranquilizar a opinião pública
escondendo as ameaças reais, por outro lado, alarmá-la, fazendo abrir, de vez em
quando, hologramas de inimigos perigosos (hoje novamente o adversário russo, personificado
por Putin), para, deste modo, justificar políticas de rearmamento, operações
militares e guerras. E, sempre em função do controlo da mente, acreditar-se no
espectáculo de que, depois de ter sustentado as guerras que demolindo Estados
na totalidade (o último, o Estado da Líbia), provocaram êxodos de massas e hoje
estão na primeira fila para acolher de braços abertos, as vítimas dessas mesmas
guerras.
A grande maioria não sabe mesmo nada ou
quasi nada, dos mecanismos que determinam a sempre, cada vez mais rápida
escalada de guerra, tornando sempre mais real o cenário da terceira (e última)guerra mundial: a guerra termonuclear. Fala-se nos círculos restritos dos «viciados no
trabalho», no «sal e pimenta» (em referência à cor do cabelo) dos quais os jovens
estão em grande parte ausentes. Trata-se de sair do fechado, encontrando formas
e idiomas para fazer compreender que o tempo se está a esgotar, que é
necessário movermo-nos enquanto estamos a tempo. Por outras palavras, levar as
pessoas a reagir, como baseados no instinto de sobrevivência reagiriam os
habitantes de um condomínio se vissem alguém acumular explosivos no porão de
arrumos comum. Pelo contrário, quase ninguém reage, porque a maioria desconhece ou não sabe do que se trata, enquanto os Estados Unidos acumulam explosivos
nucleares debaixo dos nossos pés.
O que devemos fazer, está nas mãos de cada um
de nós. É necessário que cada um faça qualquer coisa, mesmo que seja pequena,
mas que seja real, para trazer de volta o relógio do Apocalipse. É o caminho
obrigatório através do qual passa cada
escolha para o futuro. O relógio do Apocalipse está a assinalar, apenas, as
horas de um mundo sem futuro.
A seguir:
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