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Sunday, May 27, 2018

PT -- GUERRA NUCLEAR: 9.4 A desatracagem da Itália da máquina de guerra USA/NATO, para uma Itália soberana e neutra, liberta de armas nucleares

MANLIO DINUCCI

“Copyright Zambon Editore”


GUERRA NUCLEAR
O DIA ANTERIOR
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe



9.4  A desatracagem da Itália da máquina de guerra USA/NATO, para uma Itália soberana e neutra, liberta de armas nucleares
   
A Itália assinou, em 1969 e ratificou, em 1975, o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares que, no Artigo 2 estabelece: «Cada um dos Estados militarmente não nucleares, que seja Parte do Tratado, compromete-se a não receber de quem quer que seja, armas nucleares ou outros dispositivos, nem o controlo sobre essas armas e engenhos explosivos nucleares, directa ou indirectamente».

Esse compromisso é iludido pelo facto da Itália fazer parte da NATO, a qual, no Conceito Estratégico de 2010 , adoptado pela Cimeira de Lisboa, estabelece: « A garantia suprema da segurança dos Aliados é fornecida pelas forças nucleares estratégicas da Aliança, particularmente, as dos Estados Unidos; as forças nucleares estratégicas independentes, do Reino Unido e da França, que têm a sua própria função de dissuasão, contribuem para a dissuasão e para a segurança total dos Aliados».

Dentro da NATO, a Itália faz parte do Grupo de planificação nuclear, formado pelos Ministros da Defesa de todos os países membros, excepto o da França, que se encontram regularmente para discutir e decidir (sempre à porta fechada) sobre as questões específicas da política nuclear da Aliança.

Ao mesmo tempo, a Itália faz parte, no interior da NATO, do grupo de países que «fornecem à Aliança, aviões de dupla capacidade, disponíveis para as funções nucleares». A NATO especifíca que «na sua função nuclear, estes aviões estão equipados para transportar bombas nucleares e o pessoal está instruído para esse fim», mas que «os Estados Unidos mantém o controlo absoluto e a guarda das armas nucleares associadas». Deste modo, a NATO admite, oficialmente, que os Estados Unidos fornecem armas nucleares aos países membros da Aliança não nucleares, violando o Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares, assinado pelos Estados Unidos em 1968 e ratificado em 1970, cujo Artigo 1 estabelece:«Cada um dos Estados militarmente nucleares, que seja Parte do Tratado, compromete-se a não transferir a quem quer que seja, armas nucleares ou outros dispositivos nucleares explosivos ou o controlo dessas armas e engenhos explosivos, directa ou indirectamente».

O facto de que os pilotos italianos são treinados para o ataque nuclear sob comando USA – segundo confirma a FAS – é demonstrado pela presença em Ghedi do 704th Munitions Support Squadron, uma das quatro unidades da U.S. Air Force deslocada nas bases europeias (além disso, em Itália, na Alemanha, Bélgica e Holanda) «onde as armas nucleares USA estão destinadas a ser lançadas pelos aviões dos países hospedeiros». Os pilotos dos quatro países europeus e os pilotos turcos, já peritos no uso da bomba B-61, são agora preparados nos centros de treino, nos EUA, para usar a B61-12. A sua preparação é completada com o Steadfast Noon, o exercício anual de guerra nuclear da NATO, ocorrido em 2013, em Aviano e em 2014, em Ghedi.

A Itália – que não só faz parte do Grupo de planificação Nuclear, mas é um dos países que fornecem à NATO, aviões e pilotos para o ataque nuclear – não pode tomar decisões autónomas, em contraste com o Conceito Estratégico 2010, que ela própria aprovou na Cimeira de Lisboa. O Conceito Estratégico estabelece que «as armas nucleares constituem uma componente fundamental da capacidade de dissuasão e defesa da NATO, juntamente com as forças convencionais e de defesa missilística». O mesmo «compromete a NATO a lutar pelo objectivo de criar as condições para um mundo sem armas nucleares, mas confirma que, enquanto houver no mundo armas nucleares, a NATO permanecerá uma aliança nuclear».

Isto explica a posição assumida pela Itália a respeito do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, votado pela maioria, nas Nações Unidas, em 7 de Julho de 2017. Exprimindo profunda preocupação pelas consequências humanitárias catastróficas de qualquer uso de armas nucleares e reconhecendo a necessidade consequente de eliminar completamente essas armas, o Tratado compromete os Estados aderentes a não produzir nem possuir armas nucleares, a não usá-las, nem ameaçar usá-las, a não transferí-las nem a recebê-las, directa ou indirectamente. Este é o ponto fundamental de força do Tratado, que visa criar «um instrumento juridicamente vinculativo para a proibição das armas nucleares, que conduza à sua eliminação total».

O Tratado é votado em 2017 por uma maioria de 122 Estados, entre os quais a Austria, Bangladesh, Bolívia, Brasil, Cuba, Indonésia, Irão, Iraque, México, Myanmar, Nigéria, Nova Zelandia, Peru, Africa do Sul, Suécia, Suiça e Venezuela. O Tratado - que para entrar em vigor tem de ser assinado e ratificado por 50 Estados – é apenas vinculativo para os Estados que aderem ao mesmo e não os proíbe de fazer parte de alianças militares com Estados que possuem armas nucleares. Além do mais, cada um dos Estados aderentes «tem o direito de retirar-se do Tratado, se decidir que acontecimentos extraordinários relativos à matéria do Tratado possam colocar em perigo os supremos interesses do próprio país». Fórmula vaga que permite em qualquer momento a qualquer Estado aderente romper o acordo, dotando-se de armas nucleares.

O maior limite consiste no facto de que não adere ao Tratado nenhum dos Estados que possuem armas nucleares: os Estados Unidos e as duas outras potências nucleares da NATO, França e Grã-Bretanha, que possuem globalmente 7.000 ogivas nucleares; a Rússia que possui outro tanto; a China, Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte, com arsenais menores mas nem por isso, desprezíveis. Não aderem ao Tratado os outros membros da NATO, em particular a Itália, a Alemanha, a Bélgica, a Holanda e a Turquia, que albergam bombas nucleares dos Estados Unidos da América. A Holanda, depois de ter participado nas negociações, esprime um parecer contrário no momento da votação. Não aderem ao Tratado, globalmente, 73 Estados membros das Nações Unidas, entre os quais surgem os principais parceiros  dos USA/NATO: Ucrânia, Japão e Austrália.

Não obstante esses limites, o Tratado das Nações Unidas sobre a Proibição das Armas Nucleares, constitui um marco sobre a única maneira viável de acabar no baralho da guerra nuclear. «Pelo seu empenho em chamar a atenção para as  consequências catastróficas humanitárias de qualquer uso de armas nucleares e pelos seus esforços inovadores para uma proibição dessas armas com base num tratado», a International Campaign to Abolish Nuclear Weapons (ICAN), uma coligação de organizações não-governamentais de uma centena de países, é distinguida com o Prémio Nobel da Paz, em 2017.

O Tratado é aberto às assinaturas, no Palácio de Vidro, em New York, em 20 de Setembro de 2017. No dia anterior, na Câmara dos Deputados, em Roma, é aprovada uma moção que compromete o governo a «continuar a perseguir o objectivo de um mundo sem armas nucleares através da centralidade do Tratado de Não-Proliferação, avaliando, de forma compatível com as obrigações assumidas na Aliança Atlântica, a possibilidade de aderir ao Tratado para vetar as armas nucleares, aprovado pela Assembleia Geral da ONU». O Governo exprime «parecer favorável» sobre a moção, mas no dia seguinte, com os outros 28 membros do Conselho do Atlântico Norte, rejeita na totalidade e ataca o Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares.

O Conselho do Atlântico Norte, na Declaração de 20 de Setembro de 2017, sustenta que «um Tratado que não compromete nenhum dos Estados possuidores de armas nucleares não será eficaz, não aumentará a segurança nem a paz internacionais, mas arrisca-se a fazer o oposto, criando divisões e divergências». Também esclarece, sem meias palavras, que «não aceitaremos nenhum argumento contido no Tratado». Anuncia, igualmente, que «iremos intimar os nossos parceiros e todos os países que tencionarem apoiar o Tratado, a reflectirem seriamente nas suas implicações» (leia: entraremos em contacto para que não o assinem nem o ratifiquem).

O Conselho do Atlântico Norte desautoriza, portanto, os parlamentos nacionais dos países membros, privando-os da soberania de deciderem autonomamente se devem ou não aderir, ao Tratado das Nações Unidas sobre a Abolição das Armas Nucleares.

Isto colaca em termos muito claros a questão essencial: como é possível fazer qualquer coisa, em Itália, para desactivar a escalada nuclear e contribuir para a eliminação completa das armas nucleares, permanecendo numa Aliança que vos priva da soberania de decidir sobre uma questão de  importância fundamental e que confia a nossa «segurança» à «garantia suprema fornecida pelas forças nucleares estratégicas da Aliança, particularmente as dos Estados Unidos»?

Em essência, levanta a questão da Itália pertencer à NATO. Há quem diga que se pode permanecer na NATO, mantendo a sua autonomia de escolha, ou seja, tendo a possibilidade de decidir, de vez em quando, no parlamento nacional, se deve participar ou não, numa determinada iniciativa da Aliança Atlântica. Ilusão ou pior que isso. No Conselho do Atlântico Norte, as normas da NATO estabelecem: «Não há voto nem decisão maioritária», mas «as decisões são tomadas por unanimidade e de comum acordo», ou seja, de acordo com os Estados Unidos da América, a quem pertence, por direito, o cargo de Comandante Supremo Aliado na Europa e os outros comandos chave, compreendendo o do Grupo de Planificação Nuclear da NATO. Entre as muitas variantes de tal ilusão existe a dos F-35 americanos, aviões projectados para o ataque nuclear, sobretudo com bombas B 61-12, para cujo uso já se estão a preparar os pilotos italianos, para que possam ser usados pela Itália, com uma espécie de segurança que impeça o uso de armas nucleares.

No grande espectáculo mediático da política, os ilusionistas e os funâmbulos exibem-se, participando em marchas pela paz e assinando apelos para um mundo sem armas nucleares, ou seja, para algo que actualmente é impossível, mas não fazem nada para realizar o que hoje seria possível: uma batalha decisiva para libertar a Itália de armas nucleares, que não servem a nossa segurança mas que nos expõem a riscos crescentes. É o único modo, através do qual, em Itália, se pode realmente contribuir para desarmar a escalada que conduz à guerra nuclear, concretizando um verdadeiro passo em frente para a eliminação total das armas nucleares.

Para fazê-lo, é necessário bater-se em campo aberto, para que a Itália cesse de violar o Tratado de Não-Proliferação. Impondo aos EUA para que removam imediatamente as suas armas nucleares do nosso território nacional e, ao mesmo tempo, para que a Itália, ao libertar-se, adira ao Tratado das Nações Unidas sobre a proibição das Armas Nucleares. Mesmo que não houvesse tratado vinculativo, este seria o objectivo pelo qual lutar.

Os princípios da Constituição italiana e os verdadeiros interesses nacionais tornam indispensável a remossão do nosso território nacional não só das armas nucleares, mas das bases USA e das bases NATO sob comando USA, as quais, além de ter a função de projectar forças convencionais em acções ofensivas para o Sul e para Leste, têm a função de poder lançar um ataque nuclear das posições avançadas, situadas no nosso país, tornando-o um alvo prioritário de uma inevitável retaliação nuclear.

Por outras palavras, deve quebrar-se o Grande Tabú que domina o mundo político e institucional, indicando claramente o objectivo a atingir: a saída da Itália da NATO e a saída da NATO de Itália, para contribuir para a dissolução da Aliança Atlântica e de qualquer outra aliança militar. Objectivo considerado louco pelos que acreditam que a Aliança Atlântica é qualquer coisa sagrada e intocável; considerado perigoso por quem sabe que, colocando-se contra a NATO, põe em risco a sua carreira política; considerado impossível por quem pensa que não pode existir uma Itália soberana e neutra.

Os obstáculos que se interpõem à realização desse objectivo são gigantescos. O Poder dominante baseia a sua força não só nos instrumentos políticos, económicos e militares, mas sobre o controlo da mente, propósito possível através de um aparelho mediático globalmente difundido que, sobretudo através da televisão, induz a acreditar que existe apenas aquilo que se vê e não existe o que não se vê.

O controlo da mente através do aparelho mediático dominante permite, por um lado, tranquilizar a opinião pública escondendo as ameaças reais, por outro lado, alarmá-la, fazendo abrir, de vez em quando, hologramas de inimigos perigosos (hoje novamente o adversário russo, personificado por Putin), para, deste modo, justificar políticas de rearmamento, operações militares e guerras. E, sempre em função do controlo da mente, acreditar-se no espectáculo de que, depois de ter sustentado as guerras que demolindo Estados na totalidade (o último, o Estado da Líbia), provocaram êxodos de massas e hoje estão na primeira fila para acolher de braços abertos, as vítimas dessas mesmas guerras.

A grande maioria não sabe mesmo nada ou quasi nada, dos mecanismos que determinam a sempre, cada vez mais rápida escalada de guerra, tornando sempre mais real o cenário da terceira (e última)guerra mundial: a guerra termonuclear. Fala-se nos círculos restritos dos «viciados no trabalho», no «sal e pimenta» (em referência à cor do cabelo) dos quais os jovens estão em grande parte ausentes. Trata-se de sair do fechado, encontrando formas e idiomas para fazer compreender que o tempo se está a esgotar, que é necessário movermo-nos enquanto estamos a tempo. Por outras palavras, levar as pessoas a reagir, como baseados no instinto de sobrevivência reagiriam os habitantes de um condomínio se vissem  alguém acumular explosivos no porão de arrumos comum. Pelo contrário, quase ninguém reage, porque a maioria desconhece ou não sabe do que se trata, enquanto os Estados Unidos acumulam explosivos nucleares debaixo dos nossos pés.

O que devemos fazer, está nas mãos de cada um de nós. É necessário que cada um faça qualquer coisa, mesmo que seja pequena, mas que seja real, para trazer de volta o relógio do Apocalipse. É o caminho obrigatório através do qual passa  cada escolha para o futuro. O relógio do Apocalipse está a assinalar, apenas, as horas de um mundo sem futuro.

A seguir: 

APÊNDICE
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

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