Esta entrevista televisiva feita em Moscovo é
a segunda do género, depois da que foi conduzida pelos jornalistas Glenn Greenwald e Laura Poitras em
Hong Kong em Junho de 2013.
(Crédito da
foto NDR News Germany) – Televisão Alemã, domingo à noite em directo,
entrevista com o americano Edward Snowden, que revelou publicamente e
retransmitiu largamente para o estrangeiro as particularidades dos programas de
vigilância operados pela NSA.
Torna-se cada vez mais evidente que essas revelações não provocaram
qualquer dano; de facto, elas foram bem úteis ao grande público.
Hubert
Seipel (Seipel) : Senhor Snowden, tem dormido bem estas
últimas noites ? Porque li que pediu uma protecção policial, de algum
modo. Existem ameaças?
Edward
Snowden (E. Snowden) : Existem ameaças
significativas, mas durmo muito bem. Houve um artigo publicado num jornal online chamado Buzz Feed, onde eles entrevistavam autoridades
do Pentágono e da Agência Nacional de Segurança (NSA), concedendo-lhes o
anonimato para que eles pudessem dizer o que queriam, e o que eles disseram ao
jornalista repórter foi que me queriam assassinar. Esses indivíduos – e são
funcionários do governo em funções - diziam que ficariam felizes, que adorariam
meter-me uma bala na cabeça, envenenar-me no regresso de uma ida às compras na
mercearia e ver-me morrer no meu chuveiro.
SEIPEL : Mas felizmente continua vivo, entre nós.
E. Snowden: Apenas estou ainda com vida, e não
deixo de dormir porque fiz o que sentia dever fazer. Era a acção certa a fazer
e não me deixarei intimidar pelo medo.
Seipel : “O maior receio que tenho”, e estou
a citá-lo, “no que respeita às divulgações, é que nada mude”. Era uma das suas
maiores preocupações nessa altura, mas entretanto houve uma viva discussão
relativamente à situação da NSA; não apenas na América mas também na Alemanha e
no Brasil, e o Presidente Obama foi forçado a dirigir-se ao público e de
justificar o que fazia a NSA sobre bases legais.
E. Snowden : Aquilo a que inicialmente
assistimos como resposta às revelações foi uma espécie de cerco de carrinhos de
protecção, implementado pelo governo relativamente à Agência de Segurança
Nacional. Em vez de conduzir a agência formando um cerco protector à volta do
público para proteger os seus direitos, a classe política concentrou-se à volta
do estado em segurança para proteger os seus próprios direitos. O que é
interessante é que, embora tenha sido essa a primeira reacção, vimos que ela
foi depois suavizada. Vimos que o Presidente o reconheceu quando, depois de ter
afirmado “fizemos o que era adequado, não houve abusos”, pudemos ver, a ele e
aos seus colaboradores admitir que houve abusos. A cada ano há milhares de
violações deste género, da parte da Agência de Segurança Nacional e de outras
agências, bem como por parte das autoridades.
Seipel : Será que o discurso de Obama
marca o início de uma regulamentação séria?
E. Snowden : Era claro, pela leitura do
discurso do Presidente, que ele queria fazer pequenas mudanças para preservar
serviços de que não precisamos. O Presidente criou uma comissão de vigilância
constituída por agentes que eram seus amigos pessoais, veteranos da segurança
nacional, de um antigo Director adjunto da CIA, de pessoas que tinham todo o
interesse em fazer as coisas suavemente nesses programas e a considerá-los de
modo favorável. Mas o que descobriram é que tais programas não tinham qualquer
valor, que nunca impediram um ataque terrorista nos Estados Unidos, e que não
tinham tido mais que uma utilidade marginal em outros domínios. A única coisa
que o programa de mega dados telefónicos da secção 215 fornece é, de facto, um programa
mais vasto de colecta bruta de mega dados – uma colecta bruta significa uma
vigilância em massa – mas que revelou não impedir ou não detectar
transferências electrónicas de 8500 $ da parte de um motorista de táxi da
Califórnia. É este género de vigilância efectuada pelos operadores que faz que
não precisemos desses programas, já que eles não contribuem para a nossa
segurança.
Eles
mobilizam enormes recursos para funcionar e não nos trazem nada de válido. Os
funcionários prosseguem dizendo “podemos modificá-los”. A Agência de Segurança
Nacional age unicamente sob a autoridade efectiva do Presidente. Portanto, ele
pode parar ou modificar, ou provocar uma mudança das suas políticas a qualquer
momento.
Seipel : Pela primeira vez, o Presidente Obama admitiu que a NSA recolhia e
armazenava milhares de milhões de dados.
E. Snowden: De cada vez que se telefona, que
se marca um número, que se escreve um mail,
que se faz uma compra on-line, que se
apanha um autocarro levando um telemóvel, que se introduz um cartão algures,
deixa-se um rasto, e o governo decidiu que era uma boa ideia recolher todos
esses rastos, todos, mesmo sobre quem nunca foi suspeito de um crime.
Tradicionalmente o governo identificaria um suspeito, iria ter com um juiz,
dir-lhe-ia que suspeitava que esse indivíduo tivesse cometido um crime, obteria
um mandato e poderia assim utilizar todos os seus poderes para prosseguir a
pesquisa. Actualmente, o que vemos é que eles querem utilizar a totalidade dos
seus poderes antecipadamente – antes de qualquer pesquisa.
Seipel : Você lançou este debate, e Edward
Snowden tornou-se entretanto um ícone para o denunciante da era da internet.
Trabalhou até ao Verão passado para a NSA e, durante esse tempo, recolheu
secretamente milhares de documentos confidenciais. Houve algum momento decisivo
ou levou muito tempo para que o assunto amadurecesse, ou alguma coisa
aconteceu, o que é que o levou a tomar a decisão?
E. Snowden : Diria que uma espécie de
momento decisivo foi aquele em que vi o Director da NSA, James Clapper, mentir
ao Congresso sob juramento. Não é possível salvar uma comunidade dos serviços
de informação acreditando que ela pode mentir ao público e aos legisladores,
que precisam de confiar nela e legislar sobre os seus processos. Assistir a
isso significava realmente para mim que não havia possibilidade de voltar
atrás. Para além disso, houve a lenta tomada de consciência de que mais ninguém
o faria. O público tinha o direito de conhecer a existência desses programas.
Tinha o direito de saber o que o governo fazia em seu nome, e o que fazia
contra o público, mas nós não estávamos autorizados a discutir sobre isso, não
tínhamos autorização para nada; nem mesmo o corpo alargado dos nossos
representantes eleitos podia conhecer ou discutir sobre esses programas, o que
é algo de perigoso. A única supervisão de que dispúnhamos era um tribunal secreto, o Tribunal FISA, que é uma espécie de
escritório, o selo da autoridade.
Quando se
está no interior do sistema, se vai trabalhar todos os dias, sentando-se no escritório
e dando-se conta do poder que se detém – pode-se ouvir o Presidente dos Estados
Unidos, ouvir o juiz federal, mas fazendo-o discretamente nunca ninguém o
saberá, porque a única maneira pela qual a NSA pode descobrir abusos é
controlando-se a si própria.
Seipel : Não falamos da NSA apenas nesse
domínio; existe um acordo multilateral de cooperação entre os serviços, e essa
aliança sobre as operações de informação é conhecida pelo nome de Cinco Olhos
(Five Eyes). Quais são as agências e países que fazem parte dessa aliança e
qual é o seu objectivo?
E. Snowden : A aliança dos Cinco Olhos é
uma espécie de resquício do pós Segunda Guerra Mundial, em que os países
anglófonos são as principais potências a aliar-se para, de algum modo, cooperar
e partilhar os custos da infraestrutura para recolha da informação.
Temos
portanto o GCHQ britânico (Government Communications HeadQuarter, NT), temos a
NSA americana, o C-Sec canadiano, o Australian Signals Intelligence Directorate
e o DSD neo-zelandês. O resultado foi, durante décadas e décadas, uma espécie
de organização supranacional da informação que nem sequer obedecia às leis dos
seus próprios países.
Seipel : Em numerosos países, como também na
América, as agências como a NSA não estão autorizadas a fazer espionagem no
interior das suas próprias fronteiras e da sua população. Portanto, os
Britânicos, por exemplo, podem espiar todo o mundo excepto os Britânicos, mas a
NSA pode fazer vigilâncias na Inglaterra, e assim, finalmente, eles poderiam
trocar os seus dados e estariam em conformidade com a lei.
E. Snowden : Se puserem a questão
directamente aos governos, eles negarão e farão referência aos acordos
políticos entre os membros dos Cinco Olhos estipulando que eles não espiariam
os cidadãos dos outros países membros, mas existem alguns pontos-chave. O
primeiro é que eles não consideram como espionagem a recolha de informações. O
GCHQ recolhe uma enorme quantidade de dados e de informações sobre os cidadãos
britânicos, tal como faz a NSA para os cidadãos americanos. O que eles dizem é
que não tomarão como alvo as pessoas mencionadas nesses dados. Não procurarão
cidadãos do Reino Unido ou britânicos. Além disso, os acordos políticos
concluídos entre eles dizem que os Britânicos não terão como alvo os cidadãos americanos,
que os Americanos não apontarão para os cidadãos britânicos, não os vinculando
juridicamente. As actuais notas de serviço dos acordos estipulam muito
particularmente que eles não visam emitir restrições legais a qualquer governo.
Há acordos que podem ser modificados ou quebrados a qualquer momento. Portanto,
se eles têm dados de um cidadão britânico, eles podem espiá-lo e podem mesmo
partilhar esses dados com o governo britânico, a quem é proibido espiar os
cidadãos britânicos. Portanto, há uma espécie de dinâmica negociada mas não
declarada; tudo isso se faz secretamente e além disso, o essencial é lembrar-se
que a vigilância e o abuso não se produzem quando as pessoas exploram os dados,
mas quando elas são as primeiras a explorá-los.
Seipel : Qual é o grau de cooperação entre o Serviço Secreto Alemão BND (Bundesnachrichtendienst, NT), a NSA e os
Cinco Olhos?
E.
Snowden: Eu qualificá-lo-ia como
íntimo. De facto, a primeira maneira como eu o descrevi na nossa entrevista
escrita era que os serviços alemães e americanos dormem juntos. Eles partilham
não apenas informações, relatórios de investigação, resultados da informação, mas
de facto partilham ferramentas e a infraestrutura, e trabalham em conjunto
contra os alvos comuns aos serviços, o que envolve muito perigo. Um dos
principais programas que é fonte de abusos na Agência de Segurança Nacional é
chamado “XKeyscore”.
É um motor de busca frontal que lhes permite fazer pesquisas transversais de
todas as gravações que recolhem cada dia a nível mundial.
Seipel : O que poderia fazer com esse tipo
de ferramenta se estivesse, por assim dizer, no lugar deles?
E. Snowden : Poderia ler os mails de
qualquer um no mundo inteiro. Todos aqueles de quem se tiver o endereço
electrónico, qualquer site em que se possa observar o tráfego de entrada e
saída, qualquer computador diante do qual está sentado um utilizador pode ser
observado, qualquer computador portátil que se tenha como alvo pode ser seguido
nas suas deslocações através do mundo. É um armazém único de acesso à
informação da NSA. E além disso podem-se marcar os utilizadores como
“XKeyscore”. Digamos que vi o senhor uma vez e disse a mim próprio que o
que você fazia era interessante, ou que tinha acesso a coisas que me
interessam, admitamos que você trabalha para uma grande empresa alemã e que eu
quero aceder a essa rede: eu posso seguir o seu nome de utilizador num site
web, em qualquer formulário, posso seguir o seu verdadeiro nome, posso seguir
as associações com os seus amigos e posso construir os laços do que se chama
uma impressão digital, que representa a actividade ou rede que lhe é própria, o
que significa que, onde quer que vá pelo mundo, onde quer que tente dissimular
a sua presença na rede ou a sua identidade, a NSA pode encontrá-lo, e todos
aqueles que estão autorizados a utilizar ou com quem a NSA partilha o software
podem fazer o mesmo. A Alemanha é um dos países que tem acesso a “XKeyscore”.
Seipel : Isso parece bastante assustador. A pergunta é: o BND entrega dados
sobre alemães à NSA?
E. Snowden: Que o BND o faça directamente ou
em conhecimento de causa, a NSA recebe dados alemães. Se isso se faz, eu não
posso falar do assunto antes que seja publicado, porque isso seria classificado
e eu prefiro que os jornalistas façam a triagem e tomem as decisões sobre o que
interessa o público e o que deveria ser publicado. Contudo, não é segredo que
cada país do mundo tem os dados dos seus cidadãos armazenados na NSA. Milhões e
milhões de conexões de dados de alemães tratando dos seus afazeres diários,
falando pelos seus telemóveis, enviando SMS, visitando sites de internet,
fazendo compras on-line, tudo isso acaba por chegar à NSA e é provável que o
BND esteja ao corrente numa certa medida. Mas eu não saberia dizer se eles
fornecem ou não activamente essas informações.
Seipel : O BND explica que se o fazemos, fazemo-lo acidentalmente e que a nossa
filtragem não funciona.
E. Snowden : Bem, o género de coisas que
eles discutem é de duas ordens. Eles falam de filtrar a admissão de dados, o
que significa que a NSA instala um servidor secreto num local de um fornecedor
alemão de acesso a telecomunicações, ou então que pirateia um router alemão, desviando o tráfego de
modo a poderem fazer pesquisas; eles dizem: “se eu vejo o que creio ser um
alemão a falar com outro alemão, eu largo o assunto”; mas como saber? Vocês
poderiam dizer “bem, estas pessoas falam em língua alemã”, “este endereço IP
parece ser o de uma sociedade alemã a comunicar com outra sociedade alemã”, mas
isto é pouco exacto e eles não deixariam todo esse tráfego, porque
identificaram alvos interessantes, que estão activos na Alemanha e utilizam as
comunicações alemãs. Portanto, de modo realista, quando eles dizem que não há
espionagem dos alemães, não querem dizer que os dados alemães não são recolhidos,
nem querem dizer que não são feitas ou roubadas gravações, o que querem dizer é
que não vigiam intencionalmente cidadãos alemães. E isso é uma espécie de
promessa com os dedos cruzados nas costas, não é fiável.
Seipel : O que se passa com outros países europeus como a Noruega e a Suécia,
por exemplo, pois creio que temos uma boa quantidade de cabos submarinos que
atravessam o Mar Báltico?
E. Snowden: É uma espécie de alargamento da
mesma ideia. Se a NSA não recolhe informações sobre os cidadãos alemães na
Alemanha, fá-lo-á imediatamente quando eles passam as fronteiras alemãs? E a
resposta é “sim”. Qualquer comunicação que transite por Internet pode ser
interceptada pela NSA em múltiplos locais, seja na Alemanha, na Suécia, na
Noruega ou Finlândia, na Grã Bretanha ou nos Estados Unidos. Em qualquer local
desses países pelos quais passe uma comunicação alemã, esta pode ser ingerida e
acrescentada à base de dados.
Seipel : Passemos então aos nossos vizinhos do sul da Europa. Que se passa relativamente
à Itália, à França, à Espanha?
E. Snowden: É o mesmo modo de proceder no
mundo inteiro.
Seipel : A NSA espia por exemplo Siemens, Mercedes, outras sociedades alemãs de
sucesso, para ter a primazia, para ter uma vantagem concorrencial e saber o que
se passa no mundo científico e económico?
E. Snowden: Não quero antecipar as decisões
editoriais dos jornalistas, mas diria que está fora de dúvida que os Estados
Unidos praticam a espionagem económica.
Se houver
informação sobre a Siemens, que eles acham que poderia servir os interesses
nacionais, não a segurança nacional dos Estados Unidos, eles procurarão essa
informação e irão recuperá-la.
Seipel : Existe o velho adágio que diz “vocês fazem o que podem”, portanto a NSA
faz tudo o que é tecnicamente possível.
E. Snowden: É algo que o Presidente abordou o
ano passado quando disse que não é porque somos capazes de fazer alguma coisa –
e era em relação à piratagem do telemóvel de Angela Merkel – não é porque somos
capazes que o devemos fazer, mas foi exactamente o que se passou. As
capacidades tecnológicas que foram adquiridas devido às fracas normas de
segurança dos protocolos de internet e das redes de comunicação móveis tiveram
por efeito que os serviços de informação possam criar sistemas que vêem tudo.
Seipel : Nada contrariou mais o governo alemão que o facto de a NSA ter
pirateado o telemóvel privado da chanceler alemã Merkel durante os últimos 10
anos; de modo evidente, de repente essa vigilância invisível era relativa a uma
personalidade conhecida e já não a uma espécie de vago e obscuro plano
terrorista. Agora, Obama prometeu parar a espionagem a Merkel, o que leva à
questão: a NSA espiou os governos precedentes, incluindo os chanceleres
anteriores, quando é que o fez e há quanto tempo?
E. Snowden : É uma pergunta a que me é
particularmente difícil de responder, porque há informações que penso serem de
interesse público. Contudo, e como já disse, prefiro deixar os jornalistas
tomarem as decisões em primeiro lugar, rever os elementos e decidir se sim ou
não o seu valor para o público ultrapassa a espécie de ofensa à reputação
daqueles que ordenaram a vigilância. O que posso dizer é que Angela Merkel
estava sob a vigilância da Agência de Segurança Nacional. A questão é saber se
é razoável pensar que ela seria a única pessoa oficial alemã a ser vigiada, até
que ponto é possível acreditar que ela fosse a única personalidade eminente na
Alemanha que a Agência de Segurança Nacional vigiava. Eu sugeria que não é
razoável para alguém que se preocupasse com as intenções dos dirigentes alemães
de apenas vigiar a Senhora Merkel e não os seus colaboradores, outros altos
funcionários, os seus ministros ou mesmo os funcionários dos governos regionais.
Seipel : Como
é que um jovem de Elizabeth City, na Carolina do Norte, de 30 anos de idade,
acede a um tal posto num domínio tão sensível?
E. Snowden: É uma pergunta a que é muito difícil
responder. De um modo geral, eu diria que isso torna visíveis os perigos de
privatizar as funções governamentais. De facto, eu trabalhava anteriormente
como director executivo, enquanto funcionário governamental na Agência Central
de Informações (CIA), mas trabalhei com frequência como sub-empreiteiro
privado. O que isso significa é que existem sociedades privadas a efectuar um
trabalho que é intrinsecamente da responsabilidade do governo, tais como a
espionagem a um alvo, a vigilância, a infiltração dos sistemas estrangeiros, e
qualquer um que disponha das competências para convencer uma sociedade privada
que ele tem as qualificações necessárias, será encarregado pelo governo de o
fazer, e há muito pouca supervisão, muito pouco controlo.
Seipel : Você era uma dessas crianças típicas da era informática com os olhos
vermelhos à força de passar as noites diante do ecran, na idade de 12 a 15
anos, e com o pai a bater-lhes à porta a dizer “apaga a luz, já é tarde”?
Adquiriu as competências informáticas deste modo ou quando é que teve o seu
primeiro computador?
E. Snowden: É exacto, eu tive certamente… eu
diria uma formação informal mais profunda em informática e tecnologia
electrónica. Isso sempre me fascinou e interessou. É correcto dizer que tinha
pais que me aconselhavam a ir para a cama.
Seipel : Se virmos os poucos dados
publicamente disponíveis sobre a sua vida, descobrimos que, com evidência,
queria juntar-se às Forças Especiais, em Maio de 2004, para combater no Iraque;
qual era a sua motivação nessa época? Você sabe, as Forças Especiais, se
olharmos para si neste momento, significam duros combates e, provavelmente,
matar. Você já foi ao Iraque?
E. Snowden : Não, não fui ao Iraque… uma
das coisas interessantes a propósito das Forças Especiais é que elas não são
destinadas ao combate directo, elas são o que se chama um multiplicador de
força. Elas são infiltradas atrás das linhas inimigas, é um grupo que dispõe de
um certo número de especialidades diferentes, que forma e dá à população local
a capacidade de resistir ou de servir de suporte às forças americanas, de um
modo que lhes dá uma possibilidade de ter peso sobre o seu próprio destino, e
eu sentia que era uma causa nobre, nessa época. Mais tarde, algumas das razões
que nos levaram ao Iraque não tinham bons fundamentos, e penso que prestaram um
mau serviço a todos os que nelas estavam implicados.
Seipel : Que se passou então com a sua aventura ? Ficou muito tempo com
eles ou que é que lhe aconteceu?
E. Snowden: Não, parti as pernas nos treinos e
fui reformado.
Seipel: Então, por outros termos, a aventura não foi longe?
E. Snowden: Foi uma aventura breve.
Seipel : Em 2007 a Cia colocou-o sob protecção diplomática em Génova, na Suíça.
A propósito, por que se juntou à CIA?
E. Snowden: Não penso poder responder a essa
pergunta em directo.
Seipel : De acordo no que respeita ao que você fez lá, esqueçamos, mas por que
se juntou à CIA?
E. Snowden: Em vários aspectos penso que está na
continuidade das minhas acções favorecer o interesse público da maneira mais
eficaz, e isso está em fase com o resto da minha actividade ao serviço do
governo, onde eu procurava utilizar as minhas competências técnicas nos postos
mais difíceis que podia encontrar no mundo, e a CIA oferecia-me a oportunidade
para isso.
Seipel : Se voltarmos atrás : Forças
Especiais, CIA, NSA, isso realmente não se enquadra com o perfil de um
activista dos direitos do homem ou de alguém que se torna um denunciador depois
de tudo isso.
O que é que
lhe aconteceu?
E. Snowden : Eu acho que isso conta uma
história e que não tem nada a ver com a profundidade do empenhamento das
pessoas no governo, nem com a sua fidelidade ao governo, nem com a força da sua
fé nas escolhas do seu governo como foi o meu caso durante a guerra no Iraque;
as pessoas podem aprender, podem descobrir o limite entre um comportamento
governamental apropriado e os danos reais, e penso que se tornou evidente para
mim que esse limite tinha sido ultrapassado.
Seipel : Você trabalhou para a NSA por
intermédio de um sub-contratante privado de nome Booze
Allen Hamilton, um dos grandes
nomes do sector. Qual é o interesse para o governo americano ou para a CIA de
sub-contratar com uma sociedade privada a terceirização de uma função central
do governo?
E. Snowden : A cultura da sub-contratação
da comunidade da segurança nacional nos Estados Unidos é uma questão
complicada. O seu motor é um conjunto de interesses abrangendo em primeiro
lugar a necessidade de limitar o número de empregados directos do governo e ao
mesmo tempo de afastar, dos grupos de lobbying
do Congresso, sociedades muito sólidas como Booze Allen Hamilton. O problema é
que se chega a uma situação em que as políticas governamentais são
influenciadas por sociedades privadas com interesses que nada têm a ver com o
interesse público. O resultado é aquele que vimos com Booze Allen Hamilton, em
que há indivíduos com acesso ao que o governo reconhece serem milhões e milhões
de registos e gravações com os quais
podiam sair a qualquer momento sem os referir, sem supervisão, sem auditoria,
mesmo sem que o governo soubesse para onde iam.
Seipel : Por fim você chegou à
Rússia. Numerosas comunidades da informação suspeitam que tenha passado um
acordo, dando material classificado em contrapartida de um asilo aqui, na
Rússia.
E. Snowden : O chefe da Task Force que
estudou o meu caso, não mais tarde que em Dezembro, concluiu que não havia
qualquer prova ou indício de que eu tivesse beneficiado de alguma ajuda ou de
contactos exteriores, ou que tivesse concluído um acordo, fosse de que natureza
fosse, para realizar a minha missão. Eu trabalhei sozinho. Não precisei de mais
ninguém, não tenho ligações com governos estrangeiros, não sou um espião a
soldo da Rússia ou da China ou de outro país neste assunto. Se sou um traidor,
a quem é que eu traí? Entreguei toda a minha informação ao público americano, a
jornalistas americanos que investigam sobre questões americanas. Se eles tomam
isso por uma traição, penso que as pessoas se devem interrogar sobre aqueles
para quem crêem trabalhar. O público é suposto ser o patrão deles, não o seu
inimigo. Para além disso, no que respeita à minha segurança pessoal, eu nunca
estarei totalmente em segurança antes que esses sistemas tenham mudado.
Seipel : Depois das suas revelações, nenhum país europeu lhe ofereceu realmente asilo.
Onde é que pediu direito de asilo, na Europa?
E. Snowden: Não posso
lembrar-me em detalhe da lista de países, pois foram numerosos, mas a França e
a Alemanha, assim como o Reino Unido, faziam certamente parte dessa lista. Um
número de países europeus, cuja totalidade infelizmente estimou que fazer o que
é justo era menos importante que dar o seu apoio aos interesses políticos
americanos.
Seipel : Uma reacção à espionagem da NSA neste momento é que países como a
Alemanha reflectem à criação de internetes nacionais, com o fim de forçar as
sociedades da Net a guardar os seus dados no seu próprio país. Será possível
fazê-lo?
E. Snowden: Isso não
parará a NSA. Digamo-lo deste modo: a NSA vai onde estiverem os dados. Se a NSA
pode extrair mensagens das redes de comunicação na China, é provável que possa
tirar mensagens facebook da Alemanha. No fim, a solução para este problema não
é de todo meter as coisas entre quatro paredes. Embora isso aumente o nível de
evolução e de complexidade necessárias à recuperação da informação, vale muito
mais simplesmente assegurá-la de qualquer intrusão ao nível internacional, que
jogar a “mudar os dados de lugar”. Movimentar os dados não resolve o problema.
O problema está em torna-los seguros.
Seipel : Neste momento, Obama não parece muito preocupado pelas mensagens em
fuga. E com a NSA eles estão muito mais preocupados em apanhar o mensageiro,
neste contexto. Obama pediu várias vezes ao presidente russo para o extraditar.
Mas Putin não o fez. Parece que, provavelmente, você teria que passar o resto
da sua vida na Rússia. Como se sente na Rússia, neste contexto, e existe alguma
solução para este problema?
E. Snowden: Penso que se torna cada vez mais
evidente que tais fugas não provocaram danos, e que, de facto, elas serviram o
interesse geral. Por essa razão, penso que será muito difícil manter uma
espécie de campanha permanente de perseguição relativamente a alguém a quem o
público reconhece que serve o interesse público.
Seipel : O New York Times escreveu um
longo artigo e pediu que a clemência lhe seja acordada. O título é “Edward
Snowden, denunciador”, e cito o artigo: “O público teve conhecimento, em
detalhe, como a agência estendeu o seu mandato e abusou da sua autoridade.” E o
New York Times conclui: “O Presidente Obama deveria pedir aos seus
colaboradores que começassem a encontrar uma maneira de pôr fim à difamação do
Sr. Snowden e de o incitar a voltar ao país.” Teve alguma
chamada da Casa Branca no intervalo?
E. Snowden : Nunca recebi qualquer
chamada da Casa Branca e não passo o meu tempo junto ao telefone. Mas acolherei
de boa vontade a ocasião de falar sobre o modo de levar este assunto a uma
conclusão que satisfaça os interesses de todas as partes implicadas. Penso que
é claro que há momentos em que o que é legal é distinto do que é justo. Há
essas épocas na História e não é preciso pensar muito para que um americano ou
um alemão encontrem na História do seu país épocas em que a lei permitia ao
governo de realizar coisas que não eram justas.
Seipel : Neste momento o Presidente Obama
não parece, pelas evidências, estar convencido disso, já que ele disse que você
era acusado de três crimes, e cito-o: “se você, Edward Snowden, acredita
naquilo que fez, por que é que não regressa à América para comparecer no
tribunal com um advogado e defender a sua causa?” Será essa a solução?
E.
Snowden : É interessante, porque ele mencionou três crimes.
O que ele não diz, é que os crimes de que ele me acusa são crimes que não
permitem defender-me perante a justiça. Não autorizam que me defenda perante um tribunal
público e convença um júri que o que fiz foi no seu interesse. A lei sobre a
espionagem, que data de 1918, nunca permitiu perseguir as fontes dos jornalistas, as
pessoas que dão aos jornais informações de interesse público. Essa lei diz
respeito às pessoas que vendem em segredo documentos a governos estrangeiros
que bombardeiam pontes e fazem sabotagem das comunicações, não às pessoas que
agem pelo interesse geral. Por isso diria ser revelador de que o presidente
escolheria dizer que cada um deve encarar a música somente quando sabe que essa
música, (especialmente num
Estado totalitário), é o espectáculo dum julgamento
público de um criminoso político, conduzido
principalmente para fins propagandisticos, a fim de suprimir ainda mais a
dissidência que haja contra o governo, condenando o réu a uma sentença tão gravosa
que torna o acusado num exemplo a ser temido pela nação.
Tradutora: Maria Alpinda
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