Sobre GUSTAVO CASTAÑON - comentário de um geopolítico, cujo nome, por razões óbvias, a postadora omite:
"Gustavo Castañon é um jovem brilhante e escreveu uma peça analítica na qual não apenas concordo na íntegra como desconheço artigo que tenha abarcado de forma tão ampla a questão."
"Gustavo Castañon é um jovem brilhante e escreveu uma peça analítica na qual não apenas concordo na íntegra como desconheço artigo que tenha abarcado de forma tão ampla a questão."
Não sei. Quando se olha para o futuro e se vê personagens
com um passado, com um comportamento minimamente coerente, com crenças estáveis
e inteligência mínima, grupos políticos com seus interesses e forças estáveis,
há como fazer apostas mais claras sobre o futuro.
No momento, com um presidente que foi estatista a vida
toda e vira liberal depois de uma viagem aos EUA, defensor da tortura,
assassinato de opositores e ditadura, apresenta um papel higiênico de programa
de governo e faz seu discurso de vitória cercado de Magno Malta e Alexandre
Frota, o futuro parece um túnel escuro, incerto e sem fim.
Não há muita expectativa de bem a se extrair desse mal. A
hora como disse um amigo é de estudar o adversário. As hipóteses de trabalho, e
não previsões, que levanto são:
1) Nos encaminhamos num primeiro momento para um governo
Pinochet implementado por um Trump que sempre viveu nas tetas do Estado e foi
expulso do Exército. As primeiras indicações são de que será o governo de mais
baixo nível técnico desde o primeiro ministério de Collor.
2) Bolsonaro foi eleito pela CIA-NSA e protegido e
informado pelo Mossad. Tem acordos uterinos de realinhamento geopolítico
brasileiro. Provavelmente fará o país entrar na OTAN, permitirá instalações de
bases americanas em território nacional (a checar a reação das FFAA a esta
humilhação), enterrará a participação brasileira no BRICS e no Mercosul e será
aliado incondicional de Israel
3) A máquina de envenenamento mental das redes continuará
a todo vapor no governo Bolsonaro, preparando o terreno e a base de apoio
popular para o desmantelamento dos resquícios de Estado de bem-estar social. Se
não aprendermos como fazer frente a isso iremos para um estado de insanidade
coletiva ainda maior. A tendência é que o Exército, o único que tem alguma
capacidade de monitoramento de fake news, bote ordem nesse fenômeno que
desestabilizou o país de fora. Agora fake news será monopólio do governo.
4) Não está descartada a entrada do Brasil aliado à
Colômbia numa guerra contra a Venezuela. Os EUA encontrariam então seus
sicários latino-americanos para legitimar o saque do petróleo Venezuelano. Esse
cenário já está sendo discutido pelos EUA, mas encontrará forte rejeição das
próprias FFAA. No entanto, um governo Bolsonaro poderia lançar mão desse
recurso em caso de rápida degeneração interna, para tentar gerar coesão
nacional e implantar medidas de exceção previstas para tempo de guerra. O
resultado político, contudo, dificilmente deixaria de ser um desastre.
5) Paulo Guedes é fraco, inábil, muito arrogante,
incompetente para a administração pública e moralmente vulnerável. Vai começar
achando que tem carta branca para um governo ultraliberal. Mas só vai ter
facilidades para destruir a aposentadoria, o serviço público e cortar gastos.
6) A aposentadoria pública será virtualmente extinta por
Paulo Guedes sob aplausos dos meios de comunicação. Veremos várias reportagens
indicando as maravilhas de se trabalhar até a morte.
7) Na hora de privatizar nossas grandes estatais e
estatais de defesa, o ultraliberal deve enfrentar resistência das FFAA. O
primeiro foco de conflito será não a privatização, mas a venda da Embraer. Vamos
ver como os militares, que querendo ou não são os grandes fiadores de
Bolsonaro, reagirão a esse negócio que não está concretizado.
8) Não acredito em desastre econômico nos primeiros dois
anos. O Brasil está barato e muitos projetos parados por indefinição política.
Os especuladores internacionais aos primeiros sinais de destruição do estado e
estabilidade política, se houver, devem entrar comprando e investindo e darão
um voo de galinha ao governo em virtude do fluxo de capitais. Isso mitigará o
efeito devastador das reformas ultraliberais e destruição do estado nos
primeiros anos. Se pegarmos um suspiro das commodities então, essa mitigação
pode durar mais tempo.
9) O colapso não deve vir a médio prazo, mas se a agenda
for essa ele virá, certamente. Chile, Rússia, Argentina de Menen e Macri,
Grécia, Espanha e Cia estão aí para lembrar que não há exceções aos colapsos
neoliberais. Nem uma exceção (o leitor está desafiado a citar uma exceção
histórica). Pinochet depois de derrubar em mais de 40% o PIB chileno teve que
chamar os desenvolvimentistas para simplesmente fazer com que ele voltasse ao
nível de antes do golpe. Foi essa segunda parte de seu governo que se
convencionou chamar de “milagre chileno”, que não foi nada mais do que a
reversão do colapso neoliberal. A economia deverá sofrer profunda
desnacionalização, o déficit na balança de pagamentos se tornar crônico, a
população empobrecer brutalmente em subempregos sem educação ou saúde públicas.
O Estado deverá perder a capacidade de intervir na economia e a recessão se
cronificar.
10) Nesse momento, uma ditadura completa pode tentar se
implantar como única forma de manter o regime. Mas será difícil para um governo
que nasce odiado por metade da sociedade e estará moído pela crise e
descrédito, num cenário internacional adverso. É difícil saber o que acontecerá
até lá. O certo é que uma revolução não está no horizonte como resposta: antes
disso todos os seus possíveis instrumentos estariam aniquilados e bases
norte-americanas instaladas em território nacional.
11) Para apoiar a devastação do Estado, com extinção das
universidades públicas e do SUS, as máquinas de fake news da NSA se voltarão à
degradação da educação e saúde pública e seus servidores. A falta de recursos
crônica causada pelo teto de gastos causará o colapso desses serviços enquanto
o foco será jogado no salário dos professores universitários e médicos, para
alimentar o ressentimento da máquina de eleitores esmagados nos subempregos da
iniciativa privada da reforma trabalhista. A estabilidade deve virar pó e
motivar demissões em massa para delírio dos fracassados que dizem “a mamata vai
acabar” para os eleitores de esquerda. É claro que as verdadeiras mamatas das
aposentadorias das FFAA e do Judiciário e seus super-salários, dos quais dependem
a estabilidade do regime, não serão tocadas. O que vai acabar mesmo, no
entanto, é a saúde pública e a educação superior.
12) Para aplicar a agenda ultraliberal se fará uso ainda
largamente do antipetismo e do anticomunismo, que a massa ignara de classe
média identifica com os lunáticos pós-modernos e identitários. Se exporá cada
vez mais “cirurgias trans” e “performances de dedo no cu” nos hospitais e
universidades para facilitar seu desmonte.
13) Bolsonaro deve se valer da pauta fundamentalista para
mobilizar a esquerda a defender pautas impopulares como o aborto enquanto
destrói o Estado. O PT aceitará de bom grado a pauta identitária enquanto se
acomoda confortavelmente a sua nova condição de partido de nicho sem condições
de voltar a exercer o poder.
14) Da mesma forma, Bolsonaro deve recorrer a violência
policial brutal e ações de impacto contra o tráfico de drogas para angariar
apelo popular e mascarar a brutal pauta econômica de perda de direitos.
Certamente a redução da maioridade penal e a alteração do estatuto do
desarmamento virão como propostas de plebiscitos para mergulhar a esquerda na
pauta comportamental a opondo à sociedade e gerando a cortina de fumaça para a
destruição do Estado. Mascaramento dos índices de segurança, como recusas em registrar
ocorrências, podem provocar uma falsa sensação de melhoria na segurança. Não
acredito, no entanto, que o empilhamento sucessivo de corpos vá lhe render mais
popularidade do que rejeição a médio prazo. O povo brasileiro, no entanto, já
deu muitas provas de enlouquecimento. Vamos conferir.
15) Movimentos como o MST e o MTST serão criminalizados
como dois mais dois são quatro. Aqueles que sonham com Boulos meio por cento
como novo líder popular da Praça São Salvador e Largo do Batata ainda não
entenderam o tamanho da rejeição popular que a internet provocou a estes
movimentos. Ele corre muito perigo nestes anos.
16) Não restam dúvidas de que a homofobia aumentará,
agressões a mulheres, crimes políticos, cerceamento a atividade docente e
arbitrariedades policiais de toda ordem. Na verdade, isso já começou antes
mesmo dos resultados eleitorais.
17) O petismo deverá ser mantido na UTI, pois o que mais
interessa ao governo é mantê-lo como a liderança da oposição, a imagem do que
seria a alternativa a ele. Continuará a ser fustigado com denúncias de
corrupção e “imoralidades” e tendo alguns de seus dirigentes presos, mas sem
cassar seu registro ou torná-lo excessivamente fraco.
18) Será fácil para Bolsonaro, se quiser, sequestrar a
base de grotões que sobrou ao PT (que perdeu a classe média, mesmo sua ala
esquerda, e as cidades) turbinando e constitucionalizando seus programas
assistencialistas. Como populista, não terá dificuldade de fazê-lo, como vimos
com a proposta do 13o. Depois de quatro anos preso e perdidos os grotões, o
poder político de Lula se esvairá. Sua possível morte no período dará outro
folego ao lulismo, limitado ao Nordeste.
19) Se acumularem poder, Bolsonaro e Mourão tentarão
reformar o Alto Comando das FFAA dobrando o número de generais e o STF
ampliando o número de ministros. Isso no momento não é, no entanto, ainda
possível. Mas o grupo de Villas-Boas deve perder espaço, a não ser, no entanto,
que Bolsonaro seja inteligente e queira deter o poder de Mourão. A conferir.
20) A grande imprensa está apavorada e tentará aderir. O
enfrentamento de Bonner a Bolsonaro ontem quando ele atacou a Folha de São
Paulo indica que os grupos de comunicação estão articulados para se proteger
num primeiro momento. Depois de entregue as reformas e definido o que será de
fato privatizado, a tendência é partirem para desgastar o governo. Se sentirem
sangue na água, começa ainda antes.
21) A lava-jato deverá seguir como política de governo de
terrorismo e silenciamento da oposição e cooptação da base aliada, ou seja, a
guerra à política continua. O convite a Moro já deu a senha. Será o reino do
terror judiciário. O STF tentará cercear Bolsonaro com a ação de impugnação das
eleições movida pelo PDT, mas agora eles lidarão com pessoas que não hesitam em
exercer o poder, mesmo porque tem as FFAA por trás.
22) A continuação do reino de chantagem e terror vai
gerar ressentimento com o Centrão e base aliada. Se seguir na promessa de um
governo de técnicos sem indicação política vai se inviabilizar no congresso. Se
começar a distribuir cargo e governar com o Centrão vai desmoralizar seu
discurso de renovação. Aposto fortemente na segunda opção como os movimentos
recentes na composição do governo já estão indicando.
23) As raposas sobreviventes de Brasília não vão engolir
Bolsonaro. Todos o desprezam publica ou secretamente. O Congresso só está
esperando a primeira curva da estrada. Como Bolsonaro vai reagir depende de seu
apelo popular.
24) A incógnita é como as FFAA reagirão ao desmonte da
nação e de nossa soberania. O provável é que repitam o Chile e 64 e assistam à
devastação neoliberal ocorrer antes para pressionar por mudanças depois.
Querendo eles ou não, todo fracasso do governo Bolsonaro vai cair na conta
deles. Elas são minha única esperança de defesa do interesse nacional,
racionalidade administrativa e moderação política no próximo governo.
25) Esperança? Sempre há esperança. E esperança no caso
de Bolsonaro é somente a de ele um dia ir embora do poder. O governo é de
baixíssimo nível, inédito na história do Brasil. A verdadeira elite, de fato,
ainda não está representada nele. A imprensa está assustada e só esperará
sentir sangue na água. Bolsonaro perderá a aura antissistema se mostrando como
é: um deputado do baixo clero que governará com o centrão corrupto. E corrupto
quer mamar. Todas as expectativas mitológicas de seus seguidores se esvairão
com o desemprego, fim da aposentadoria, destruição da saúde e governo
convencional. Este começa com a rejeição mais alta e sólida da história da
democracia. A brutal recessão causada pelas políticas de Temer que agora se
radicalizam, em algum momento se aprofundará. O colapso da educação e saúde não
poderá ser colocada por muito mais tempo na conta do PT e menos ainda da
esquerda. Arroubos autoritários podem ajudar a reconstituir um centro
democrático. A centro-esquerda pode se organizar sem o PT. Mas minha principal
esperança agora é o patriotismo genuíno das FFAA. Elas não vão querer ser
vistas como as coveiras do Estado e da soberania nacional. Só elas terão poder
suficiente para deter a destruição que está pela frente.
26) Já a centro-esquerda, se não guinar para o centro,
abandonar a pauta identitária, centrar fogo na economia e principalmente
aprender a usar a rede e a ela se dedicar, oferecendo uma nova narrativa global
para a população, vai amargar mais uma derrota acachapante em 2022.
O governo Bolsonaro dará muito errado, é a única coisa
que é certa. A questão agora é só quando, e como.
Quando ele acabar, seremos uma colônia agrícola extratora
miserável, mais desigual e violenta do que nunca, com uma população de
escravos.
Enfim, o momento requer estudo do que de fato será o
adversário e reorganização de quem vai querer exercer a oposição.
Collor, Jânio, não duraram três anos. Há muito em comum:
falso moralismo, ajuste liberal, recessão à vista, privatizações.
Mas só Deus sabe no que vai dar isso.
E ele parece estar muito zangado com esse país.
O poema
“José” de Carlos Drummond de Andrade foi publicado originalmente em 1942, na
coletânea Poesias. Ilustra o sentimento de solidão e abandono do indivíduo na
cidade grande, a sua falta de esperança e a sensação de que está perdido na
vida, sem saber que caminho tomar, precisamente como a camada lúcida do povo
brasileiro está neste momento.
José
E agora,
José?
A festa
acabou,
a luz
apagou,
o povo
sumiu,
a noite
esfriou,
e agora,
José?
e agora,
você?
você que
é sem nome,
que
zomba dos outros,
você que
faz versos,
que ama,
protesta?
e agora,
José?
Está sem
mulher,
está sem
discurso,
está sem
carinho,
já não
pode beber,
já não
pode fumar,
cuspir
já não pode,
a noite
esfriou,
o dia
não veio,
o bonde
não veio,
o riso
não veio,
não veio
a utopia
e tudo
acabou
e tudo
fugiu
e tudo
mofou,
e agora,
José?
E agora,
José?
Sua doce
palavra,
seu
instante de febre,
sua gula
e jejum,
sua
biblioteca,
sua
lavra de ouro,
seu
terno de vidro,
sua
incoerência,
seu ódio
— e agora?
Com a
chave na mão
quer
abrir a porta,
não
existe porta;
quer
morrer no mar,
mas o
mar secou;
quer ir
para Minas,
Minas
não há mais.
José, e
agora?
Se você
gritasse,
se você
gemesse,
se você
tocasse
a valsa
vienense,
se você
dormisse,
se você
cansasse,
se você
morresse…
Mas você
não morre,
você é
duro, José!
Sozinho
no escuro
qual
bicho-do-mato,
sem
teogonia,
sem
parede nua
para se
encostar,
sem
cavalo preto
que fuja
a galope,
você
marcha, José!
José,
para onde?
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