Oriente Médio: Alguns indicadores, esperemos, úteis
18/9/2019, The Saker, para Unz Review (em The Saker Blog)
Tradução: Meus Amigos do Brasil
O Oriente Médio está literalmente explodindo: os Houthis acertaram golpe extremamente efetivo contra a produção saudita de petróleo, a qual (dizem eles) teria caído agora 50%, antes de começar a retomada; há rumores persistentes de que Su-35S e S-400s russos ameaçaram derrubar aviões israelenses que atacam a Síria; o Líbano declarou que se defenderá de ataques israelenses; o Hezbollah ameaçou Israel com ataques paralisantes, e até com ataques contra funcionários israelenses; a Turquia comprou defesas aéreas russas e diz que se os EUA recusarem-se a entregar seus F-35s, a Turquia considerará a compra de Su-35s e até, talvez, de Su-57s. Bibi Netanyahu tentou usar Putin em sua campanha de reeleição (ok, Bibi tenta desesperadamente escapar da cadeia), mas teve de ir para casa de mãos abanando; segundo o Jerusalem Post, sua missão fracassou.
Por fim, e só para garantir que as crises estão limitadas ao Oriente Médio: poloneses e a Corte da União Europeia conseguiram iniciar um processo para tentar forçar a Rússia a usar o trânsito ucraniano de gás; os EUA estão invocando velhos tratados para ameaçar a Venezuela; o Reino Unido está-se danando completamente; a Europa (ok, a Alemanha) não consegue sequer adestrar os polacos no que tenha a ver com o gasoduto Ramo Norte 2 [ing. North Stream 2] (ok, *estão* adestrando bem, sim, mas para obedecerem ‘Tio Shmuel’, não Angela Merkel); Índia e Paquistão novamente ameaçam-se entre eles, por causa da Caxemira. Esqueci alguma coisa?
Ah, sim, a República Popular Democrática da Coreia (RPDC, “Coreia do Norte”) tem disparado mísseis novos; os EUA querem culpar o Irã pelos ataques disparados pelos Houthis; a China rejeita categoricamente essas acusações, e a Rússia continua a anunciar novas armas revolucionárias construídas por novos princípios científicos e planeja instalar o S-500 “Prometheus”, apenas para garantir que não aconteça de o Império ter ideias estúpidas sobre tentar atingir a Rússia (ou aliados da Rússia, os quais em 2021 começarão a comprar o S-500, como afirmam forças oficiais).
Sei perfeitamente que esqueci muita coisa. Verdade é que o Império está colapsando em todos os fronts, o que, por sua vez, significa que a cada dia que passa aumentam dramaticamente as chances de os ignorantes que vivem na Casa Branca tomarem alguma medida muito estúpida.
Sim, sim, sei, Bolton foi demitido. Aplaudo a demissão, mas, considerando que
creio que Pompeo seja ainda mais perigosamente doido e perverso que Bolton
(para nem dizer o quanto é fantasticamente arrogante!), não vejo qualquer razão
para ter esperança (acabo de ler que Robert C. O’Brien sucederá Bolton; foi
Enviado Especial do Presidente para Problemas de Reféns no Departamento de
Estado [ing. Special Presidential Envoy for Hostage Affairs at the
State Department]; fico a pensar se significa que mais cidadãos russos serão sequestrados e feitos reféns por
aí pelo mundo…?).
Há tanta coisa a registrar aqui, que me autolimitarei a alguns pontos sobre o
Oriente Médio que me parecem importantes.
Primeiro, a destruição parcial das mais importantes instalações
sauditas de tratamento de petróleo[1] é
GRAVÍSSIMO revés, para os EUA. Lembrem que o Reino da Arábia Saudita [ing. KSA]
é realmente o “centro” do Comando Central das Forças Armadas dos EUA, CENTCOM
e, mesmo, a razão de ele existir (para “proteger” o Irã contra a URSS e
oficialmente preservar a segurança do Xá; mas, na verdade foi também parte de
acordo maior entre os EUA e a Arábia: “vocês exigem que o petróleo seja pago
com dólares, e nós protegemos vocês contra tudo e todos”). Claro, há longa
lista de patetas ocidentais aos quais essa promessa também foi feita, dentre
eles Saddam Hussein, Muammar Gaddafi, Manuel Noriega, Hosni Mubarak e muitos
outros; a maioria desses estão mortos, os demais estão presos (se a memória não
me engana). Agora, parece q seja a vez dos sauditas: os Patriots de enganação
tipo “melhor que S-300” não conseguiram deter os Houthis; e todo o poder
combinado do CENTCOM também fracassou.
Segundo, só posso concordar com ‘b’ em Moon of Alabama – para
a Arábia Saudita é fim de jogo, a guerra acabou. Que sauditas saibam
disso ou não, não faz diferença alguma. OK, com o tempo fará diferença, mas só
no mais longo prazo. Os sauditas e seus patrões anglo-sionistas têm três
caminhos:
– Continuar praticamente como sempre antes: é a própria definição de
insanidade, se alguém espera obter resultado diferente.
– Escalar e atacar o Irã, ação depois da qual todo o Oriente Médio explodirá,
com consequências dramáticas.
– Fazer o que os EUA sempre fazem: declarar vitória e escafeder-se.
Obviamente, a única opção sensível é a terceira, mas quem disse que Bibi, Trump
ou MbS são, seja como for, sensíveis? Tulsi Gabbard me acompanha ao chamar
Trump de limpa-penico de terceiros[2];
única diferença é que eu digo que é limpa-penico de Israel, e Gabbard diz que é limpa-penico dos sauditas.
Dá na mesma.
Há contudo um fator de contensão: se Trump algum dia atacar o Irã, tornar-se-á
para os neoconservadores “presidente descartável”: o Irã aproveitará a
oportunidade para atacar Israel, e Trump sofrerá impeachment (afinal
de contas os neoconservadores estão no controle total do Comitê Nacional
Democrata, e em muitas das comissões chaves no Congresso).
Implica dizer que tudo se resume a Trump. Trata-se de ver se Trump tem
informação e miolos para entender que um ataque ao Irã fará naufragar seu
governo (fato é que já está ferrado além de qualquer salvação possível; atacar
o Irã oficializará o enterro); que sofrerá impeachment; e que,
obviamente jamais será reeleito.
Terceiro, os Houthis podem ter feito tudo sozinhos? Sim. Podem. Não há
qualquer dúvida disso. O Irã não teve de atacar diretamente,
precisamente porque os Houthis são capazes de fazer sozinhos tudo que fizeram.
Confiram essa exposição oficial de mísseis balísticos e drones dos
Houthis, e vejam vocês mesmos aqui e aqui. Como se não bastasse, os Houthis
vão-se tornando muito semelhantes ao Hezbollah; sem dúvida possível aprenderam
a operar mísseis e drones avançados (e aprenderam do Irã,
motivo pelo qual israelenses e EUA estão tão furiosos). Repito: NÃO estou
dizendo que o Irã não ajudou ou que aquele ataque teria sido igualmente
bem-sucedido, se o Irã não garantisse inteligência, seleção de alvos, expertise técnica,
etc. Mas se há alguma prova de envolvimento direto do Irã, deixemos que aquele “manati do mal” (como Fred Reed
referiu-se a Pompeo) a apresente ao mundo. E ele que trate de fazer serviço
melhor que o cocô que produziu no caso Skripal ou nos ataques de falsa
bandeira, com inexistentes armas químicas, na Síria.
Quarto, tudo isso significa para o Reino da Arábia Saudita e seus patrões
anglo-sionistas é que os Houthis têm meios para atacar qualquer alvo
dentro da Arábia Saudita sem ter de enfrentar qualquer punição. E não só
dentro da Arábia Saudita. Suspeito que o Irã também possa atacar
qualquer instalação da indústria de petróleo ou gás em todo o Oriente Médio,
assim como pode atingir qualquer alvo dos EUA/CENTCOM/OTAN/Israel que decida
atacar. Além do mais, em caso de guerra total no Oriente Médio, deve-se
esperar que chovam mísseis sobre instalações dos EUA, disparados não só do
Iêmen (pelos Houthis) e do Líbano (Hezbollah), mas também potencialmente da
Síria, Iraque e Afeganistão.
Quinto, realmente não faz qualquer diferença onde ou o que EUA e/ou
sauditas e/ou israelenses disparem contra o Irã: a resposta em todos os casos
será a mesma, pelo menos segundo o Professor Marandi:
será resposta massiva, e toda a capacidade de exportar petróleo e gás em todo o
Oriente Médio estará ameaçada. Não há meio seguro, barato ou efetivo para
atacar o Irã. Mas será que o pessoal de Washington dá-se conta disso?
Na sequência, quero oferecer alguns poucos pontos sobre uma suposta
interceptação do F-35 de Israel, por SU-35s russos, sobre a Síria.
Primeiro, absolutamente ainda não conhecemos os fatos, temos
portanto de esperar um pouco. Muitas histórias sobre isso vêm de um único
jornal árabe online. Nas últimas 24 horas houve “uma espécie de
confirmação” vinda da Rússia, mas não de fontes oficiais; e esses relatórios
cuidavam menos de dar detalhes factuais do que de se vangloriar por Netanyahu
ter partido da Rússia sem nada conseguir.
Segundo, meu palpite é que essa notícia tem, provavelmente, fundamentos
na realidade. Os israelenses têm-se comportado como se não se incomodassem
com a presença dos russos na Síria: os ataques deles só visam a objetivos de
Relações Públicas (não esqueçamos que Bibi tenta escapar da prisão!), e os
russos provavelmente aguentaram, e foram ignorados, e agora decidiram que
basta.
Terceiro, o fato de o jornal Jerusalem Post ter tido de publicar artigo horrorizado sobre
esse evento prova conclusivamente que os que tentavam nos convencer de
que Rússia e Israel estariam trabalhando de mãos dadas e de que Putin seria o
melhor amigo de Bibi eram puro cocô. A isca brilhante era apenas isca,
e não passava de isca.
Quarto, há aquelas conversas sobre tecnologia que sempre tentam provar que os
Su-35S é muito superior ao F-35 e que essa história é muito crível, e há os que
dizem que toda a conversa é pura invencionice. A verdade é que é inútil
e sem sentido comparar “no abstrato” dois modelos avançados de avião, ou
declarar que um seria muito melhor que o outro. OK, sim, o Su-35S é superior em
muitos aspectos ao F-35, mas isso não é absolutamente verdade em todos os
cenários possíveis. De fato, também seria preciso saber que outros objetos
estavam no ar no momento analisado – incluindo AWACs, aeronaves
para Supressão de Defesas Aéreas Inimigas [ing. SEAD] e aeronaves
de Guerra Eletrônica [ing. EW] – e teríamos de descobrir que papel,
exatamente, tiveram os S-400s russos (se tiveram algum). De modo geral,
aconselho vivamente a não se porem a (a) “contar aviõezinhos” (considerar só as
quantidades) ou a (b) fazer comparações diretas entre aviões de combate. No
segundo caso, teríamos de conhecer o tipo (e a intensidade) de treinamento que
os pilotos receberam; o tipo de armas que tinham; o tipo de sensores que usaram
e como; e, em termos mais gerais, exatamente como os israelenses decidiram
estruturar seu ataque e como os russos decidiram responder. Por fim, teríamos
de ter algum detalhe sobre sensor fusing, operações centradas em
rede, datalinks, etc. Dado que nada sabemos sobre isso, recomendo
que não nos ponhamos a falar de avião/radar/míssil X versus avião/radar/míssil
Y. Simplesmente não vale a pena.
Quinto, já se ouvem rumores de que se tratou de operação sob falsa
bandeira – conduzida por israelenses, britânicos, Reino da Arábia Saudita ou
pelos EUA. Sim, não posso provar frase negativa, mas não vejo razão
imperativa para concluir nessa direção. Primeiro, é realmente má notícia
para o Império; segundo, os Houthis no passado praticaram muitas vezes ações
similares. Não há razão para suspeitar que não poderiam ter feito o que
fizeram. Mesmo assim é inegável que o aumento nos preços do petróleo beneficia
muita gente (o xisto nos EUA, a Rússia, o Reino da Arábia Saudita, etc.).
Afinal, sempre há, e por definição, o risco de que israelenses e seus aliados
neoconservadores estejam puxando as cordas de algum tipo de falsa bandeira para
finalmente disparar um ataque dos EUA contra o Irã. Mas todos esses são
argumentos indiretos, pelo menos até agora. O fato de ser possível um ataque
sob falsa bandeira não significa que tenha realmente acontecido. Não nos esqueçamos
disso e não promovamos conclusões sem fundamento.
Sexto, consideremos os alvos propriamente ditos. Estamos falando de instalações
da indústria do petróleo, instalações gigantes, as quais, sob a lógica de
EUA/OTAN/Israel (também conhecido como “Eixo da Gentileza”) estão já definidas
como “infraestrutura de apoio ao regime”, ou coisa parecida. Além do mais,
mesmo sob lógica que não seja do Eixo da Gentileza, as leis da guerra
admitem que se ataque infraestrutura crítica para o esforço militar do inimigo.
Assim, se estações de TV, embaixadas ou fábricas de medicamentos NÃO SÃO alvos
legais, instalações críticas da indústria do petróleo sim, podem ser legalmente
atacadas. A ÚNICA determinação é que o lado atacante faça honesto esforço para
selecionar bem alvos e munição para que se evitem baixas. Que eu saiba, os
sauditas mencionaram zero vítimas. Sim, é pouco provável, mas as coisas estão
precisamente nesse pé, pelo menos até agora. Nesses termos, o ataque
dos Houthis foi absolutamente legítimo, especialmente se se considera o
tipo de devastação genocida que o Eixo da Gentileza e o Reino da Arábia Saudita
dispararam contra o Iêmen.
Por fim, ofereço um palpite de por que a defesa antiaérea de EUA e sauditas
resultou tão imprestável: provavelmente, porque EUA e sauditas jamais esperaram
ataque vindo do Iêmen, não, pelo menos, um ataque tão sofisticado. A maior
parte das defesas antiaéreas de EUA/Arábia Saudita são pensadas e instaladas
para proteger contra ataque vindo do Irã, vindo do norte. O fato de esse
ataque ter sido tão bem-sucedido sugere fortemente que tenha partido do sul, do
Iêmen.
Conclusão: (18/9, 1816Z)
Eu estava a um passo de concordar com o ministro saudita do petróleo, que disse a RT que
o Reino da Arábia Saudita “ainda não sabe quem é responsável”; e de
concluir que essa seria boa notícia. Então, vi o seguinte: “Arábia Saudita
acusa o Irã de patrocinar o ataque às instalações do petróleo, diz que o ataque
não poderia ter partido do Iêmen”, também em RT.
Não é bom. Tampouco é crível.
Por um lado, se o ataque tivesse partido do Irã, teria sido muito mais massivo
e teria sido parte de ataque muito maior, em grande escala, ataque contra não
só as instalações do petróleo, mas também contra instalações e forças do
Comando Central dos EUA, CENTCOM. Não é absolutamente possível que o Irã
tivesse iniciado grandes hostilidades (e esses ataques foram, sim, descritos
pelos sauditas, como “grandes”), apenas para esperar por retaliação massiva
partida de EUA/Arábia Saudita/Israel. Os iranianos com absoluta certeza não
repetirão o erro crucial que Saddam Hussein cometeu, de dar a EUA/CENTCOM/OTAN/Israel/Arábia
Saudita o tempo necessário para preparar ataque massivo contra o Irã. Estou
monitorando vários “indicadores e alertas” que parecem sugerir que os EUA podem
estar preparando alguma coisa. Mas até aqui só observei um evento
potencialmente preocupante: o Comando de Transporte Marítimo da Marinha dos
Estados Unidos (ing. Military Sealift Command, MSC) ordenou
prontidão imediata de 23 a 25 dos 46 navios da Ready Reserve
Force (atualmente, a prontidão da RRF é 5 dias). É
número sem precedentes desde 2003. Pode significar apenas que alguém esteja
tomando precauções, ou que alguém esteja ficando aflito. De modo geral acontece
em setembro, embora não em números tão altos (mais parecido com o que se vê aqui). Mas por favor tenham em mente
que esses indicadores não podem ser considerados isoladamente, sem que se
considerem outros fatos. Se aparecerem novidades, farei o possível para
noticiá-las pelo blog.
O fato de as defesas antiaéreas de EUA/sauditas terem fracassado tão
miseravelmente não implica que os EUA não tenham pista alguma de ‘quem fez’. Há
vários outros sensores e sistemas (inclusive no espaço) que detectariam um
lançamento de míssil (especialmente um míssil balístico!) e há modos de radar
que permitem detecção de longo alcance, embora não sejam necessariamente
capazes de rastrear-enquanto-escaneiam, ou de engajamento de longa distância. Além
do mais, é possível monitorar sinais de dados e telemetria geral. Dado que os
EUA têm gigantescas bases de dados com sinais “assinatura” de todos os tipos
de hardware inimigo, os norte-americanos provavelmente podem
avaliar acuradamente o tipo de sistemas usados. Assim sendo, como no caso do
MH-17, o Pentágono sabe exatamente ‘quem fez’. O mesmo vale para os russos, que
têm montanhas de dados SIGINT/FISINT [Sinais de Inteligência
(ing. Signals Inteligence] e de Sinais de Instrumentação
Estrangeira [ing. Foreign Instrumentation Signals] no Oriente Médio
(e no espaço).
Mas nos últimos dias do Império, os fatos já não interessam realmente. O que
interessa é qualquer coisa que pareça politicamente oportuno, ao pessoal da
Casa Branca e de Israel.
Minha maior esperança é que Trump descubra a verdade sobre os ataques e que
ainda lhe restem miolos suficientes para compreender que, se atacar o Irã,
perderá a eleição e, provavelmente também sofrerá impeachment.
Esperemos que seus instintos narcísicos salvem esse planeta que tanto sofre, há
tanto tempo!
[assina] The Saker
[1] Sobre
detalhes das características e funcionalidades das instalações atingidas, ver Moon of Alabama (traduzido no Blog bbacurau) [NTs].
[2] “Ing. [To be someones]
bitch. Alguém que faz tudo para outro, mesmo que o outro nem
goste de você. Mesmo que deteste. Se você é limpa-penico de alguém, você é o
escravo; o outro precisa de você só para a limpeza; o limpa-penico não
significa grande coisa para algum terceiro importante (do Urban Dictionary) [NTs].
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