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Saturday, August 17, 2019

PT -- FULL SPECTRUM DOMINANCE - Capítulo Quatro - Parte 1

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ou
DOMÍNIO DA UNIVERSALIDADE




CAPÍTULO QUATRO

Usando os Direitos Humanos como Armamento: De Darfur para Mianmar e para o Tibete

“Muito do que fazemos hoje foi feito secretamente há 25 anos, pela CIA.” 

Allen Weinstein, que ajudou a criar o National Endowment for Democracy (NED) .(1)

Mianmar: A Revolução Açafrão

Na época da decisão dos EUA, de forçar a mudança de regime no Iraque - uma decisão realmente tomada antes dos ataques de 11 de Setembro de 2001 - a política dos EUA já estava a começar a mudar para a China. No entanto, como observado anteriormente, ao contrário da política dos EUA em relação a uma Rússia economicamente enfraquecida, mas ainda militarmente formidável, a política dos EUA em relação à China procurava seguir o que algumas pessoas designavam como “poder brando”. As principais armas da pressão dos EUA sobre a China seriam afirmações sobre 'democracia' e 'direitos humanos'. Parecia paradoxal. Mas não era.

Uma aplicação importante da nova ofensiva de direitos humanos contra a China, em Washington, concentrou-se em Mianmar, no Tibete e em Darfur e, no sul do Sudão, rico em petróleo.

Uma grande campanha de desestabilização de “direitos humanos” mobilizada pelos EUA, para tentar apertar o cerco ao redor da China começou em Setembro/Outubro de 2007, visando Mianmar, antiga colónia britânica, a Birmânia. (O governo dos EUA ainda prefere designá-la como Birmânia, apesar da rejeição oficial desse nome pelo governo de Mianmar.) Nessa época, a CNN publicou imagens de monges budistas vestidos de túnicas de cor açafrão correndo pelas ruas da antiga capital de Mianmar, Rangoon (Yangon ) e clamando por mais democracia. Nos bastidores, no entanto, foi uma batalha de uma consequência geopolítica enorme.

A tragédia de Mianmar/Birmânia, cuja área do território era do tamanho do rancho de George W. Bush, no Texas, foi que a sua população estava a ser usada como cenário humano, num drama que havia sido idealizado em Washington. O espectáculo que se desenrolava na CNN, fora escrito e produzido pelos esforços combinados da National Endowment for Democracy (NED), da Open Society Institute de George Soros, da Freedom House e da Albert Einstein Institution de Gene Sharp. Essas ONGs funcionavam como activos militares e estavam ligadas aos serviços secretos dos EUA. Foram usadas para treinar circunstâncias de mudanças de regime “não violentas” em todo o mundo, em nome da agenda estratégica dos EUA. Eram as mesmas ONGs e organizações que tinham sido usadas nas Revoluções Coloridas à volta da Rússia - na Geórgia, na Ucrânia e na Sérvia.

A “Revolução Açafrão” da Birmânia, tal como a “Revolução Laranja” da Ucrânia ou a “Revolução Rosa” da Geórgia, foi um exercício bem orquestrado na mudança de regime conduzida por Washington. Reproduzia os métodos e truques das Revoluções Coloridas anteriores: usando os protestos de “bater e fugir” por “enxames” de grupos de budistas usando mantos de açafrão; criação de blogs na internet e links para mensagens de texto móveis entre grupos de protesto; instalação de células de protesto bem organizadas, que se dispersavam e se reorganizavam sob comando.

A CNN errou num dado momento, durante uma transmissão, em Setembro de 2007, mencionando a presença activa da NED a apoiar os protestos em Mianmar.(2) Na verdade, o Departamento de Estado dos EUA admitiu apoiar as actividades da NED em Mianmar. A NED era uma entidade “privada,” financiada pelo governo dos EUA, como observado anteriormente, cujas actividades foram projectadas para apoiar os objectivos da política externa dos EUA. A ideia era realizar o que a CIA havia feito durante a Guerra Fria, mas sob a capa de uma ONG aparentemente inocente.

Em 30 de Outubro de 2003, o Departamento de Estado emitiu um comunicado de imprensa formal afirmando:

A restauração da democracia na Birmânia é uma prioridade da política dos EUA no Sudeste Asiático. Para alcançar esse objectivo, os Estados Unidos têm apoiado, regularmente, activistas da democracia e os seus esforços dentro e fora da Birmânia ... Os Estados Unidos também apoiam organizações como o Fundo Nacional para a Democracia, o Instituto Open Society e Internews, a trabalhar dentro e fora da região, numa ampla série de actividades de promoção da democracia.(3)

Um objectivo prioritário da política dos EUA no sudeste da Ásia? Tudo soava mui nobre e discreto da parte do Departamento do Estado. No entanto, as suas “actividades de promoção da democracia”, tinham uma agenda oculta sinistra. Eram destinadas, directamente, à estabilidade regional de Pequim, incluindo a estabilidade energética.


Tal como nos Balcãs e na Ásia Central, o Departamento do Estado dos EUA recrutou e treinou líderes da oposição de numerosas organizações anti governamentais, em Mianmar. Tinha disponibilizado a enorme quantia (para Mianmar) de mais de 2,5 milhões de dólares anuais para as actividades da NED, promovendo a mudança de regime em Mianmar desde, pelo menos, 2003. Esta operação de mudança de governo, efectuada pelos EUA, a “Revolução Açafrão”, foi administrada - de acordo com a admissão do próprio Departamento de Estado – principalmente, pelo Consulado dos EUA, na cidade vizinha de Chiang Mai, na Tailândia, onde o governo era mais amistoso em relação à presença militar e aos serviços secretos dos EUA.(4)

O Departamento de Estado e a NED financiaram meios de comunicação de oposição importantes, incluindo o New Era Journal, o Irrawaddy e a rádio Democratic Voice of Burma.(5)

O solista - ou, mais correctamente talvez, o teórico - da mudança não violenta de regime pelos monges vestidos de açafrão foi Gene Sharp, fundador da Instituição Albert Einstein em Cambridge, Massachusetts. A Albert Einstein Institution, de Sharp, era, como observado anteriormente, financiada por um braço da NED do Congresso dos EUA; o seu objectivo era promover a mudança de regime favorável aos EUA, em pontos-chave em todo o mundo. (6)

O Instituto de Sharp estava a agir na Birmânia desde 1989, logo após o regime ter massacrado cerca de 3000 manifestantes, para silenciar a oposição. Funcionário especial da CIA e antigo adido militar dos EUA em Rangoon, o Coronel Robert Helvey, especialista em operações clandestinas, apresentou Sharp à Birmânia, em 1989. Helvey queria que Sharp treinasse a oposição birmanesa em tácticas não-violentas.

De acordo com a Instituição, o livro de Sharp, From Dictatorship to Democracy/Da Ditadura para a Democracia, foi “originalmente publicado em 1993, na Tailândia, para distribuição entre os dissidentes birmaneses. O livro From Dictatorship to Democracy, foi então espalhado em várias partes do mundo. É uma introdução séria ao uso de acções não violentas para derrubar as ditaduras ”. (7)

Na época da tentativa da Revolução Açafrão, em 2007, o Financial Times de Londres, descreveu o papel de Gene Sharp nos eventos de Mianmar, que a Instituição de Sharp citou na íntegra, no seu site. Segundo o The Financial Times:

Nos últimos três anos, activistas da ‘comissão de desafio político’ do movimento exilado, treinaram cerca de 3.000 colegas birmaneses de todas as classes sociais - incluindo várias centenas de monges budistas - em filosofias e estratégias de resistência não violenta e organização comunitária. Estas ‘workshops’(cursos de curta duração), realizados em áreas de fronteira e atraindo pessoas de toda a Birmânia, foram percebidas como ‘treinando os treinadores’, que regressavam a casa e partilhavam essas ideias com outros, que ansiavam por mudanças.

Esta preparação - juntamente com apoio material de telemóveis/telefones celulares - ajudou a estabelecer as bases para que monges budistas dissidentes, em Setembro,determinassem um boicote religioso contra a junta militar, antecipando os maiores protestos anti governamentais, em duas décadas. Durante 10 dias terríveis, monges e cidadãos leigos, enfurecidos pelo agravamento do empobrecimento e da repressão generalizada, foram despejados nas ruas em números que chegaram a cerca de 100 mil pessoas antes do regime esmagar as manifestações, matando pelo menos 15 e prendendo milhares de pessoas.

A inspiração para o treino foi o sr. Sharp, cujo "From Dictatorship to Democracy" - um manual curto e teórico de luta não violenta contra regimes repressivos - foi publicado em birmanês, em 1994 e começou a circular entre exilados e, clandestinamente, entre os dissidentes dentro do país. Alguns foram presos durante anos, só por possuí-lo.(8)

O diário financeiro também salientou que:

Gene Sharp, educado em Oxford e teórico de Harvard sobre a resistência pacífica à repressão, instou os rebeldes a adoptarem meios não-violentos para combater a junta militar. O seu assistente, o Coronel aposentado Robert Helvey, um adido militar americano em Rangoon nos anos 80, explicou como usar o planeamento de estilo militar e criar estratégias para a oposição pacífica.(9)

Curiosamente, Sharp também esteve na China poucos dias antes dos acontecimentos dramáticos na Praça Tiananmen, em Junho de 1989. Alguém perguntou: Foi apenas uma coincidência? (10)

A questão relevante era: Por que é que o governo dos EUA tinha um interesse tão grande em fomentar a mudança de regime em Mianmar, em 2007? Obviamente, tinha pouco a ver com a democracia, com a justiça ou com os direitos humanos da população que estava a ser oprimida nesse país. O Iraque e o Afeganistão eram testemunhas suficientes do facto de que o hino de Washington à ‘democracia’ era cobertura de propaganda para outra agenda.

A questão era: O que motivaria esse envolvimento num lugar tão remoto como Mianmar? 

Incontestavelmente, a resposta era - o controlo geopolítico; em última análise, o controlo das rotas marítimas estratégicas do Golfo Pérsico até ao Mar do Sul da China. O litoral de Mianmar fornecia transporte e acesso naval a uma das vias marítimas mais estratégicas do mundo, o Estreito de Malaca, a passagem estreita entre a Malásia e a Indonésia.

O Pentágono tentava militarizar esta região desde 11 de Setembro de 2001, sob o pretexto de se defender de um possível 'ataque terrorista'. Como não se concretizou, eles mudaram para alegada 'defesa contra piratas'. Os EUA trataram de conseguir uma base aérea em Banda Aceh, a Base da Força Aérea Sultan Iskandar Muda, na extremidade norte da Indonésia. No entanto, os governos da região, incluindo Mianmar, recusaram veementemente os esforços dos EUA para militarizar a região. Um relance a um mapa confirmava a importância estratégica de Mianmar.

O Estreito de Malaca, ligando os oceanos Índico e Pacífico, era a rota marítima mais curta entre o Golfo Pérsico e a China. Era o principal ponto de estrangulamento na Ásia.

Mais de 80% de todas as importações de petróleo da China eram enviadas por navios-tanque passando pelo Estreito de Malaca. O ponto mais estreito era o Canal Phillips, no Estreito de Singapura, com apenas 1,5 milhas de largura. Os super tanques transportavam mais de 12 milhões de barris de petróleo por dia através dessa passagem estreita, a maioria a caminho do mercado de energia que mais cresce no mundo: a China.

Se o Estreito de Malaca fosse fechado, quase metade da frota de navios-tanque do mundo seria obrigada a navegar milhares de quilómetros mais longe. Fechar o Estreito, faria subir, imediatamente, os custos de frete em todo o mundo. Mais de 50.000 navios por ano transitavam pelo Estreito de Malaca.

Quem controlasse as vias marítimas nesse ponto estratégico - a região desde Mianmar até Banda Aceh, na Indonésia - controlaria o fornecimento de energia da China e, portanto,a sua linha de vital de comunicação.

Logo que se tornou evidente para a China, que os EUA estavam a desenvolver uma militarização unilateral dos campos petrolíferos do Médio Oriente, a partir de 2003, Pequim validou bastante o seu envolvimento em Mianmar. A energia chinesa e a protecção militar, e não as preocupações com os direitos humanos, impulsionaram a sua política.

Pequim utilizou biliões de dólares em assistência militar em Mianmar, incluindo aviões de combate e transporte, tanques e veículos blindados, navios de guerra e mísseis terra-ar. A China construiu caminhos de ferro e estradas e obteve permissão para posicionar as suas tropas em Mianmar. A China, de acordo com fontes da defesa indiana, também construiu uma grande instalação de vigilância electrónica nas Ilhas Coco, em Myanmar, e construiu bases navais para aceder ao Oceano Índico.

Mianmar era parte integrante do que alguns no Pentágono designavam como o “colar de pérolas” da China, o seu projecto estratégico de estabelecer bases militares em Mianmar, na Tailândia e no Camboja para suster o controlo dos Estados Unidos sobre o ponto de estrangulamento do estreito de Malaca. Havia também energia no território e no mar de Myanmar e em grande quantidade.

O petróleo e o gás tinham sido produzidos em Mianmar desde que os britânicos fundaram a Rangoon Oil Company em 1871, mais tarde designada como Burmah Oil Co. O país produzia gás natural desde a década de 1970 e na década de 1990 concedeu concessões de gás à Elf Total da França e à Premier Oil, do Reino Unido, no Golfo de Martaban. Mais tarde, a Texaco e a Unocal (agora Chevron)também obtiveram concessões em Yadana e Yetagun. Só Yadana tinha uma reserva de gás estimada em mais de 5 triliões de pés cúbicos com uma duração de vida esperada de, pelo menos, 30 anos. O Yetagun foi estimado em cerca de um terço do gás do campo de Yadana. Em 2004, foi descoberto um novo campo enorme de gás, o campo Shwe, na costa de Arakan.

Em 2002, tanto a Texaco como a Premier Oil retiraram-se do projecto Yetagun devido à pressão do governo do Reino Unido e das ONGs. A Petronas da Malásia comprou 27% da participação da Premier. Em 2004, Mianmar estava a exportar o gás de Yadana, através de um oleoducto para a Tailândia, avaliado anualmente em 1 bilião de dólares para o regime de Mianmar.

Em 2005, a China, a Tailândia e a Coreia do Sul investiram na expansão do sector do petróleo e do gás de Mianmar, com a exportação de gás para a Tailândia a aumentar 50%. A exportação de gás em 2007 era a fonte de receita mais importante de Mianmar. Yadana foi desenvolvida em conjunto por Elf Total, Unocal, PTT-EP da Tailândia e pela empresa estatal de Mianmar MOGE, dirigida pela Elf Total francesa. A Yadana fornecia cerca de 20% das necessidades de gás natural da Tailândia.

O campo de Yetagun era dirigido pela Petronas da Malásia juntamente com a MOGE e a japonesa Nippon Oil e a PTT-EP. O gás era canalizado para terra, onde estava ligado ao gasoducto Yadana. O gás do campo de Shwe entraria em funcionamento a partir de 2009. A China e a Índia estavam em forte disputa sobre as reservas de campo de gás de Shwe.

A Índia Perdeu, a China Ganhou

No verão de 2007, pouco antes de Washington lançar a sua ‘Revolução Açafrão,’ Mianmar tinha assinado um Memorando de Entendimento com a PetroChina para fornecer grandes volumes de gás natural das reservas do campo de gás de Shwe, na Baía de Bengala. O contrato tinha uma duração de 30 anos. A Índia, que se tornou parceira de cooperação militar de Washington, foi a principal perdedora.

Mianmar já tinha dado à Índia uma participação importante em dois blocos offshore para desenvolver gás que teria sido transmitido via oleoducto, através de Bangladesh, para a economia indiana, esfomeada de energia. No entanto, as disputas políticas entre a Índia e Bangladesh levaram os planos indianos a um impasse.

Pequim aproveitou o impasse. A China superou habilmente a Índia com uma oferta para investir biliões na construção de um oleoducto estratégico entre a China e Mianmar, passando pelo porto de Sittwe, na Baía de Bengala, até Kunming, na província chinesa de Yunnan - um trecho de mais de 2.300 quilómetros. A China também planeou uma refinaria de petróleo em Kunming.

Os oleoductos Mianmar-China permitiriam que o petróleo e o gás fossem transportados da África (Sudão e outras fontes) e do Médio Oriente (especialmente Irão e Arábia Saudita) sem  necessidade de atravessar o vulnerável ponto de estrangulamento do Estreito de Malaca. Mianmar tornar-se-ia a ‘ponte’ da China, ligando Bangladesh e os países a ocidente da China continental, independentes de possíveis movimentos futuros de Washington para controlar o Estreito. Essa ponte seria um desastre geopolítico para os EUA que Washington estava determinado a impedir por todos os meios.

A ‘Revolução Açafrão’, de 2007, foi essa tentativa. No entanto, não alcançou o seu objectivo. Em Maio de 2008, foi feita outra tentativa para desestabilizar o regime em Mianmar, quando o devastador ciclone Nargis atingiu o país, causando milhares de mortos à sua passagem. A Administração Bush ameaçou enviar tropas militares sob o pretexto de fornecer socorro internacional ao país, usando o argumento humanitário para maximizar a pressão sobre o regime, num momento de crise genuína.

Em Julho de 2008, o Presidente Bush renovou o seu pedido para que o regime de Mianmar libertasse a líder da oposição Aung San Suu Kyi da prisão domiciliar. Bush declarou à imprensa: “Estou profundamente preocupado com esse país” .(11) No entanto, a sua sinceridade foi posta em dúvida, porque o mundo analisava o seu histórico no Iraque e o seu apoio à tortura de prisioneiros em Guantánamo e noutros lugares, apesar das críticas mundiais e do Direito Internacional que a proíbe.

Porém, a manobra humanitária foi uma clara tentativa de Washington de usar o veículo dos ‘direitos humanos’ como arma de mudança de regime em Mianmar e uma extensão do que só poderia ser chamado de imperialismo americano.

A Perigosa Mudança de Aliança da Índia

Não era de admirar que a China estivesse a tomar precauções. Desde que a Administração Bush decidiu, em 2005, recrutar a Índia para o Novo Quadro do Pentágono sobre as Relações de Defesa EUA-Índia, a Índia foi empurrada para uma aliança estratégica com Washington, explicitamente para conter a influência crescente da China na Ásia.

O Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, havia encomendado um estudo de Andrew Marshall, ao Office of Net Assessments, do Pentágono. O relatório intitulava-se “As Relações Militares Índia-EUA: Expectativas e Percepções”. Foi lançado em Outubro de 2002. Aproximadamente quarenta funcionários seniores dos EUA e cerca do mesmo número de funcionários indianos em serviço e aposentados, foram entrevistados para esse estudo. Entre as observações do relatório estava a de que as forças armadas indianas poderiam ser usadas “para operações de baixo custo na Ásia, como operações de manutenção da paz, operações de busca e salvamento…”. O estudo concluía:

Queremos um amigo em 2020 que seja capaz de ajudar os militares dos EUA a lidar com uma ameaça chinesa. Não podemos negar que a Índia criará uma força contrária à China.(12)

Em Outubro de 2002, o relatório do Pentágono afirmava ainda que a razão para a aliança de defesa Índia-EUA seria ter um “parceiro capaz, que pudesse assumir mais responsabilidade pelas operações de baixo custo” na Ásia, ou seja, operações de baixo custo direccionadas à China e “em última análise, fornecer base e acesso para a projecção do poder dos EUA”, também apontado à China. Washington estava a negociar, discretamente, uma base em território indiano como parte do novo acordo, uma grave violação do estatuto tradicional não alinhado da Índia.

O relatório do Pentágono repetiu o documento da Estratégia da Segurança Nacional, da Administração  Bush, de Setembro de 2002, declarando que os EUA não permitiriam que qualquer outro país igualasse ou superasse a sua força militar. Anunciou que os EUA usariam o seu poder militar para dissuadir qualquer potencial aspirante. A revisão estratégica apontou a China como a potência com capacidade de poder ameaçar a hegemonia dos EUA na região.

No que dizia respeito à Índia, o relatório afirmava:

Os Estados Unidos efectuaram uma transformação no seu relacionamento bilateral com a Índia, baseados na convicção de que os interesses dos EUA exigem um forte relacionamento com a Índia. Somos as duas maiores democracias, comprometidas com a liberdade política protegida por governos representativos. A Índia também está a caminhar para uma liberdade económica mais ampla.(13)

Para suavizar os laços militares, o governo Bush ofereceu à Índia o fim das suas sanções nucleares de 30 anos e a venda de tecnologia nuclear avançada dos EUA, legitimando a violação aberta da Índia ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, ao mesmo tempo que Washington acusava o Irão de violar esse mesmo Tratado - um exercício de hipocrisia política, para dizer o mínimo.

Incrivelmente, logo que os monges de Mianmar, vestidos com túnicas de cor açafrão saíram às ruas, o Pentágono iniciou exercícios navais conjuntos, entre os EUA e a Índia, o Malabar 07, juntamente com as forças armadas da Austrália, do Japão e de Singapura. Os EUA mostraram o poder da  sua 7ª Frota, instalando os porta-aviões USS Nimitz e USS Kitty Hawk, os cruzadores de mísseis guiados USS Cowpens e USS Princeton, e nada menos que cinco destróieres com mísseis guiados.(14)

O perigo da mudança de regime apoiada pelos EUA em Mianmar, juntamente com a crescente projecção do poder militar de Washington na Índia e noutros aliados na região, era claramente um factor na política de Pequim em relação à junta militar de Mianmar.

Dentro da própria Índia houve uma profunda divisão entre os líderes do país e no Parlamento, sobre a nova aliança estratégica com Washington. A cisão foi tão grande que, em Janeiro de 2008, o Primeiro Ministro da Índia, Manmohan Singh, fez a sua primeira visita oficial à China, onde declarou: 
“Deixei claro para a liderança chinesa que a Índia não faz parte de nenhum designado ‘esforço de contenção da China’. (15) Não era claro, se ele estava a ser sincero. O que ficou claro, é que o seu governo estava a sentir-se pressionado quer por Washington, quer por Pequim.

Como era frequentemente o caso, de Darfur a Caracas e a Rangoon, o apelo de Washington a favor da ‘democracia’ e dos ‘direitos humanos’ tinha que ser tomado com, pelo menos, um grande grão de sal (tinha de ser aceite, mantendo cepticismo sobre a verdade desse facto). Na maioria das vezes, o gosto era mais do que amargo; era desagradável.

Foi esse o caso das operações de ‘democracia’ e dos ‘direitos humanos’ de Washington em Darfur, no sul do Sudão, uma região de importância estratégica fundamental para o fornecimento de petróleo à China.

A seguir:

Sudão: O Significado de Darfur

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com

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