Uma Guerra na Geórgia—Putin Lança uma Bomba
O
Eixo Geográfico da História
Temos cerca de 50% da riqueza
mundial, mas apenas 6,3% da população… Nesta situação, não podemos deixar de
ser objecto de inveja e ressentimento. A nossa tarefa concreta, no próximo
período, é conceber um padrão de relações que nos permita manter essa posição
de disparidade sem prejuízo positivo para nossa segurança nacional. Para
fazê-lo, teremos de nos despojar de todo sentimentalismo e devaneio e a nossa
atenção terá de se concentrar, em toda a parte, nos nossos objectivos nacionais
imediatos. Hoje, não temos necessidade de criar a ilusão de que nos podemos dar
ao luxo de ser altruístas e de beneficiar o mundo. - George F. Kennan,
Memorando de Política do Departamento de Estado dos EUA, Fevereiro de 1948.(1)
Armas
de Agosto e Um Desses Números Divertidos
"Oito
oito oito" é um desses números interessantes, como 666 ou 911. Algumas
pessoas atribuem-lhe um enorme significado misterioso. Portanto, era mais ameaçador
do que o contrário que, no oitavo dia, do oitavo mês, do oitavo ano do novo
século, um pequeno território nas montanhas remotas do Cáucaso, da antiga União
Soviética, decidisse ordenar que o seu exército de trapos, marchasse contra um
território tão pequeno como o Luxemburgo, para reconquistá-lo em nome da
República da Geórgia alargada.
Naquele
dia, grande parte da atenção do mundo estava concentrada noutros lugar, em
Pequim, quando a China lançou o início notável das Olimpíadas de 2008. Muitos dirigentes
mundiais estavam em Pequim para presenciar este evento, incluindo o Presidente dos Estados
Unidos, George W. Bush, e o novo Primeiro Ministro da Rússia, Vladimir Putin.
A
notícia surpreendente de que o Exército da Geórgia tinha invadido a província
separatista da Ossétia do Sul, ao princípio, atraiu pouco interesse. No Ocidente, poucos tinham ouvido falar da Ossétia do Sul. A região era
remota e acreditava-se ser de pouca importância política.
O ataque da Geórgia, apoiado pelos EUA, em Agosto
de 2008, apanhou de surpresa o Ocidente, quando
a Rússia reagiu tão rapidamente em defesa dos ossétios.
Como
se viu, a pequena República da Geórgia e sua invasão à Ossétia do Sul, iriam
marcar o início da fase mais perigosa dos assuntos mundiais desde a Crise dos
Mísseis Cubanos, de Outubro de 1962, quando os dois adversários da Guerra Fria,
a União Soviética e os Estados Unidos, ficaram ‘olhos nos olhos’ e chegaram à
distância de um fio de cabelo, da guerra nuclear.
Alguns
começaram a temer uma repetição do que ocorreu no séc. XXI, das Armas de
Agosto, quando um acontecimento, igualmente remoto - o assassinato em Agosto de
1914, do herdeiro do trono da monarquia austro-húngara levado a cabo por um
assassino sérvio em Sarajevo - desencadeou o início da Primeira Grande Guerra,
na Europa.
Outros
falaram de uma Nova Guerra Fria, uma referência ao equilíbrio mútuo de terror
que dominou os assuntos mundiais desde, aproximadamente 1946, até à queda do
Muro de Berlim e ao colapso da União Soviética, em 1989-1990.
Essa
crise cubana de 1962, como alguns recordam, foi desencadeada por fotos de
reconhecimento dos EUA, que mostravam a construção de uma base de mísseis
soviéticos em Cuba, a cerca de 90 milhas da Florida. Tal base de mísseis daria
à Rússia a capacidade de lançar um ataque nuclear, em poucos minutos, contra o
território dos EUA, não permitindo que os bombardeiros nucleares dos EUA
tivessem tempo suficiente para responder.
O
que poucos no Ocidente disseram – excepto os que faziam parte do Pentágono e dos
mais altos círculos dos EUA e da NATO - foi que a instalação de mísseis
soviéticos em Cuba não foi uma provocação que surgiu do nada. Foi a resposta da
Rússia, por mais ineficaz e por mais imprudente que fosse, à decisão anterior
dos EUA de colocar os seus mísseis nucleares Thor e Júpiter na Turquia, o
membro da NATO que estava situado perigosamente, muito próximo dos locais
nucleares estratégicos soviéticos.
Tal
como aconteceu em Cuba em 1962, bem como na Geórgia, em 2008, a crise foi a
consequência directa de uma provocação agressiva iniciada pelos círculos
militares e políticos de Washington. (2)
Fim
De Uma Guerra Fria e Sementes de Outra Nova Guerra Fria
A
Guerra Fria terminou ostensivamente com a decisão de Mikhail Gorbachev, em Novembro
de 1989, de não enviar tanques soviéticos para a Alemanha Oriental, afim de bloquear o
crescente movimento pacifista de protesto contra o governo e deixar cair o Muro
de Berlim, o símbolo da “Cortina de Ferro” na Europa. A URSS estava falida, militar,
económica e politicamente.
A
Guerra Fria tinha acabado. O Ocidente, sobretudo os Estados Unidos da América -
o símbolo da liberdade, da democracia, da prosperidade económica para grande
parte do mundo, sobretudo para os povos dos antigos países comunistas da Europa
Oriental - tinha vencido.
Com
o fim da Guerra Fria, Washington proclamou que o seu objectivo era a
disseminação da democracia para aquelas partes do mundo que estavam rigidamente
confinadas dentro do sistema socialista soviético, pelo menos, desde o fim da
Segunda Guerra Mundial e, em muitos casos, desde a Revolução Russa de 1917.
A
democracia era a arma mais eficaz de Washington para aumentar o seu controlo sobre
as nações que surgiam do antigo bloco comunista na Europa. No entanto, a
palavra “democracia”, como as antigas famílias oligárquicas gregas bem sabiam,
era uma arma de dois gumes: poderia ser manipulada para apaziguar uma turba
enfurecida ou arremessada com fúria, contra os adversários políticos.
Tudo
o que era necessário, era controlar as técnicas para moldar a opinião pública e as
alavancas da mudança económica. Nestes requisitos, Washington estava bem
equipado; dominava a comunicação mediática global por meio de instrumentos como
a CNN e orquestrava a transformação económica por meio do controlo de
instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Washington iria espalhar a
democracia após o colapso da União Soviética. Mas seria um tipo especial de
democracia, se assim desejarem, uma “democracia totalitária”, aglomerando a
hegemonia económica, política e cultural americana sob o controlo militar da
NATO.
A
maior parte do mundo estava exultante com a oferta da democracia ao estilo
americano. Em Berlim, os alemães, do leste e do oeste, interpretaram a Ode à
Alegria, de Beethoven e dançaram no Muro. Na Polónia, na Checoslováquia, na
Hungria e em todas as nações ou regiões que tinham estado confinadas no lado
soviético da “Cortina de Ferro”, desde 1948, os cidadãos estavam eufóricos em
comemoração ao que acreditavam ser o começo de uma vida melhor, vida de
liberdade e prosperidade, a “American Way of Life”. Acreditavam na propaganda
que lhes fora instilada ao longo dos anos, pela Radio Free Europe/Rádio Europa
Livre e outros meios da comunicação mediática do governo americano e dos
governos ocidentais. O paraíso na terra estava prestes a chegar, ou eles
pensaram que seria assim.
A euforia foi de curta duração.
Quase imediatamente, Washington e os seus aliados ocidentais impuseram uma
forma de “terapia de choque” económica às antigas economias estatais
socialistas, de planeamento centralizado. O Fundo Monetário Internacional (FMI)
exigiu “reformas de mercado” imediatas. Este foi o código usado para a
transformação completa da totalidade dessas economias.
Os dirigentes do FMI não estavam
preparados para a complexidade da transformação do espaço económico interligado
de seis países do antigo Pacto de Varsóvia (Bulgária, Checoslováquia, Alemanha
Oriental, Hungria, Polónia, Roménia) e de quinze antigas repúblicas soviéticas.
Os tecnocratas do FMI, sob as ordens do Secretário do Tesouro dos EUA e antigo
banqueiro de Wall Street, Robert Rubin, exigiram a privatização imediata de
todas as indústrias estatais, a desvalorização do rublo russo e a
desvalorização de cada uma das outras seis moedas nacionais.(3)
A “terapia de choque” do FMI
(Políticas de Ajustamento Estrutural) abriu as portas do antigo bloco soviético
aos especuladores ocidentais detentores de dólares. Entre os que estavam em
debandada estavam o bilionário norteamericano de fundos de investimento, George Soros , o comerciante de metais fugitivo Marc Rich e bancos agressivos como Credit Suisse e
Chase. As políticas do FMI permitiram que eles pilhassem, literalmente, as
“Jóias da Coroa” da Rússia, a troco de centavos. O saque incluiu tudo desde
petróleo a níquel e desde alumínio a platina.
Um
pequeno punhado de empresários russos - na maioria antigos membros do Partido
Comunista ou funcionários da KGB – apoderou-se dos valiosos activos de
matérias-primas de propriedade do Estado, durante a era corrupta de Yeltsin e
tornaram-se bilionários da noite para o dia. Eles foram referidos com precisão
na comunicação mediática como “oligarcas” russos - homens cuja riqueza
permitiria que eles se tornassem os novos senhores da Rússia pós-comunista - os
donos do dinheiro. Mas havia um problema: a sua nova riqueza era designada em
dólares. Os novos oligarcas da Rússia
estavam amarrados, segundo Washington acreditava, ao Ocidente e,
especificamente, aos Estados Unidos. A estratégia de Washington foi apoderar-se
do controlo da Rússia pós-soviética, assumindo o controlo dos seus novos
oligarcas bilionários.
Como consequência lógica das
políticas draconianas do FMI impostas à Rússia durante a década de 1990, o
desemprego explodiu e os padrões de vida desmoronaram. Mais chocante ainda é o
facto de que a expectativa de vida dos homens russos caiu para 56 anos durante
esse período. Os idosos ficaram sem pensão ou atendimento médico adequado em
muitos casos. As escolas foram fechadas; as habitações ficaram
em ruínas; o alcoolismo, a toxicodependência e a SIDA/AIDS espalharam-se entre
a juventude russa.
As exigências do FMI incluíam
uma redução drástica dos subsídios estatais numa economia onde todos os
serviços sociais necessários, desde os Centros de Dia à assistência médica,
eram fornecidos gratuitamente ou a custo nominal pelo Estado. A população russa
foi novamente submetida a grande aflição, meio século depois de terem dado mais
de vinte e três milhões dos seus melhores jovens cidadãos para combater, para
que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha pudessem dominar o mundo do pós-guerra.
Como muitos russos constataram, a terapia de choque económico foi uma maneira
estranha do Ocidente demonstrar gratidão pelo fim do Pacto de Varsóvia.
O
último dirigente soviético, Mikhail Gorbachev, tentou revitalizar o interior do
Estado soviético com a Glasnost e a Perestroika, que falharam. Em troca de Gorbachev, ter permitindo ao
Ocidente, através do controverso FMI, ditar os termos da transformação
económica em “paraíso capitalista”, a administração do Presidente dos EUA,
George H.W. Bush, tinha oferecido uma promessa a Gorbachev. Especificamente, a
promessa oficial era, que os Estados Unidos não estenderiam a NATO para Leste,
a fim de não englobar {nessa organização
militar} os países recém-libertados do antigo Pacto de Varsóvia (4).
Gorbachev, na sua boa fé,
confiou nessa promessa do governo Bush, como sendo a política oficial. E assim
parecia. No entanto, no caos do momento, Gorbachev esqueceu-se, aparentemente,
de obter a promessa de Bush por escrito. As memórias em Washington eram boas,
mas convenientemente curtas quando lhes convinha, como demonstram os
acontecimentos posteriores.
Em
resposta a essa promessa solene dos EUA, a antiga União Soviética, agora uma
Rússia vastamente reduzida, prometera a Washington e à NATO que desmantelaria
sistematicamente o seu formidável arsenal nuclear. Para esse fim, a Duma russa
havia ratificado o Tratado Start II que fornecia um calendário para a redução
das armas nucleares activas já instaladas. Estabeleceram que a ratificação
dependesse tanto dos EUA como da Rússia, aderindo ao Tratado de Mísseis
Antibalísticos de 1972 (Tratado ABM), que proibia o uso de um escudo de defesa
antimísseis activo ambas as partes. (5) {Nota da
Trad. Este quesito é muito importante, porque é a base do abandono do Tratado
INF em 2 de Agosto de 2019,visto que os EUA alegam que a Rússia instalou os
misseis cruzeiro com base em terra 9M729 (como relatou o ‘The New York Times', em 14
de Fevereiro de 2017, mas os EUA tinham instalado o Sistema Aegis Ashore na
Roménia que foi declarado operacional em 12 Maio de 2016 e desde 2002 diligenciam fazer o mesmo na Polónia e na República Checa}
Em
13 de Dezembro de 2001, George W. Bush notificou a Rússia da retirada dos
Estados Unidos, do Tratado ABM. Foi a primeira vez, na História recente, que os
Estados Unidos se retiraram de um importante tratado internacional sobre armas.
Esta diligência foi levada a cabo para abrir a porta à criação da Agência de
Defesa contra Mísseis dos EUA (6).
Uma
Rússia exausta tinha dissolvido o Pacto de Varsóvia, organização equivalente à
NATO. Tinha retirado as tropas da Europa Oriental e outras regiões da antiga
União Soviética. Os estados satélites da União Soviética e até mesmo as antigas
repúblicas soviéticas foram incitadas a declarar-se países independentes -
embora geralmente com promessas e lisonjas ocidentais de uma possível adesão à
nova União Europeia. A República da Geórgia era um desses novos países, apesar
da Geórgia ter sido parte integrante de um império russo que remontava aos dias
dos Czares, muito antes da Revolução de 1917.
“Vencemos!”
Apesar
das promessas solenes e, ao que tudo indica, dos acordos oficiais de Washington
de não expandir a NATO para Leste, George H.W. Bush e mais tarde o Presidente
Bill Clinton, voltaram atrás nas suas promessas. Eles atraíram, um por um, os
países do antigo Pacto de Varsóvia para o que viria a tornar-se numa nova NATO,
em expansão para Leste.
George
Herbert Walker Bush era o herdeiro de uma família rica, de Nova Inglaterra, que
fez fortuna ao longo de décadas, primeiro com investimentos no Reich de Hitler
e que depois continuou por meio de poderosos alinhamentos com as indústrias de
petróleo e armamentos Rockefeller. “Vencemos”, bradou, como se saudasse uma
vitória no NFL Super Bowl e não o findar de uma competição militar e política
que deteve, muitas vezes, num estado crítico, o destino de todo o planeta.
Como
um observador descreveu a nova arrogância americana em Washington, no início
dos anos 90 e a administração de George H.W. Bush: “As viagens presidenciais ao
exterior assumiram as armadilhas das expedições imperiais, ofuscando em escala
e requesitos de segurança, as circunstâncias de qualquer outro estadista ... A
consagração da América como líder mundial [era] em alguns aspectos, a
recordação da auto-coroação de Napoleão”. (7)
O
autor desses comentários críticos não era um estranho ou se alguém que se
opunha ao poder americano. Era Zbigniew Brzezinski, antigo Conselheiro de Segurança
Nacional do Presidente Jimmy Carter e estratega perito em política externa de
vários presidentes e assessor de muitos, incluindo do candidato à presidência,
Barack Obama.
Brzezinski
era um estudante atento do mestre da geopolítica anglo-americana, Sir Halford
Mackinder. Ele conhecia bem os perigos da arrogância imperial no auge do
império. Essa arrogância, em sua opinião, causou o colapso do Império
Britânico, aparentemente no auge, entre o final do século XIX e a eclosão da
Primeira Guerra Mundial.
Brzezinski
advertiu que tal arrogância dominadora por parte de Washington, um século
depois, poderia levar a uma crise semelhante da hegemonia americana. A América,
alertou, poderia perder o estatuto de “Superpotência Única” ou de “Império
Americano” - o termo preferido dos falcões neoconservadores como William
Kristol, editor do Weekly Standard e Robert Kagan, associado sénior do Carnegie
Endowment. for International Peace.
Zbigniew
Brzezinski foi um dos arquitectos da guerra do Afeganistão contra a União
Soviética, no final dos anos 1970. Ao provocar e depois ao planear aquela
guerra, na qual o governo dos EUA treinou Osama bin Laden e outros radicais
islâmicos com técnicas avançadas de guerra irregular e de sabotagem, Brzezinski
fez mais do que talvez qualquer outro estratega do pós-guerra, com a possível
excepção de Henry Kissinger, para expandir o domínio americano através da força
militar.
Brzezinski
não era um sentimental. Era um imperialista americano veemente, que em
Washington era designado como “realista”. Sabia que a dominação imperial
americana, mesmo quando se disfarçava sob o nome de democracia, precisava de dar
cuidadosa atenção aos seus aliados para manter o poder global e controlar o que
ele denominou como o tabuleiro de xadrez – a Eurásia. As outras potências
deveriam ser administradas e manobradas de modo a impedir o aparecimento de
rivais no domínio dos Estados Unidos. Neste contexto, no seu livro, amplamente
debatido, de 1997, The Grand Chessboard, Brzezinski referiu-se repetidamente
aos aliados dos EUA, incluindo até mesmo à Alemanha e ao Japão, como os “vassalos”
da América. (8)
Brzezinski
não teve nenhum confronto com o objectivo final visível da política externa Bush-Cheney - a saber, um Século Americano
global, uma versão americanizada do governo imperial. Ao contrário, Brzezinski
diferia apenas na sua visão dos meios para atingir esse objectivo.
“Facto
sintomático da supremacia da América, na primeira década e meia”, observou Brzezinski,
“foi a presença mundial de forças militares dos EUA e a frequência crescente de
seu envolvimento em operações de combate ou coercivas. Instalados em todos os
continentes e dominando todos os oceanos, os Estados Unidos não tinham nenhum
parceiro político ou militar”. (9)
Uma
área onde as forças militares dos EUA estavam a ser instaladas era a República
Soviética da Geórgia, onde, pelo menos, desde Setembro de 2003 o governo Bush tinha
estado a prestar assistência militar directa e aconselhamento ao país, pequeno
mas estratégico, que havia declarado a sua independência da União Soviética em
1990. (10)
Os
acontecimentos de Agosto de 2008, na Geórgia, não podiam ser compreendidos sem
a década de 1990 e a história da expansão USA/NATO até às portas de Moscovo. A
Administração de George Bush, Senior havia quebrado a promessa feita à Rússia
de não expandir a NATO para Leste.
Agora, em 2008, outra Administração Bush estava a colocar uma pressão enorme
sobre a União Europeia e sobre os governos europeus para admitirem as duas
antigas repúblicas soviéticas, a Geórgia e a Ucrânia, na NATO.
Essa
nova expansão da NATO veio na peugada de um anúncio ousado, no início de 2007,
do governo dos Estados Unidos de que planeava instalar bases avançadas de
mísseis e estações de radar em dois antigos países do Pacto de Varsóvia, agora
membros da NATO: Polónia e República Checa. (11)
A
Administração Bush alegou que a decisão de colocar a sua infraestrutura
fraudulenta, designada como ‘Defesa’ contra Mísseis Balísticos na Polónia e na
República Checa seria supostamente para se defender contra “Estados desonestos
como o Irão”. (12) Esta afirmação produziu uma resposta mais forte do Kremlin.
Como verdadeiro facto militar não era, de modo algum, defensivo, mas sim, uma grande
vantagem ofensiva para Washington, em qualquer futuro confronto militar com
Moscovo.
Em Fevereiro de 2007, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursou na Conferência Internacional de Segurança de Munique, na Alemanha, anteriormente
designada como Conferência de Wehrkunde. Ao proferir um discurso, que foi
extraordinário sob qualquer exigência, os comentários de Putin apanharam muitos
no Ocidente, de surpresa:
A
NATO colocou as suas forças de linha de frente nas nossas fronteiras……[I] É
óbvio que a expansão da NATO não tem qualquer relação com a modernização da
própria Aliança ou com a garantia da segurança na Europa. Pelo contrário,
representa uma provocação grave que reduz o nível de confiança mútua. E temos o
direito de perguntar: Contra quem é pretendida esta expansão? E o que aconteceu
às garantias que os nossos parceiros ocidentais fizeram, depois da dissolução
do Pacto de Varsóvia? (13)
Estas
palavras francas do Presidente da Rússia desencadearam uma tempestade de
protestos da comunicação mediática e dos políticos ocidentais. Vladimir Putin,
um antigo oficial de carreira da KGB que havia dirigido por pouco tempo, o FSB
(a organização sucessora da KGB para os serviços secretos sobre o estrangeiro),
poderia ser acusado de muitas coisas. Ele subiu, claramente, ao topo da
pirâmide do poder da Rússia não por ser um “tipo simpático”. No entanto, algo de que Vladimir Putin não poderia ser acusado, era de ser estúpido, especialmente quando os interesses vitais russos estavam ameaçados.
Pela
primeira vez, desde o fim da União Soviética, em 1991, a comunicação mediática
ocidental falou de uma nova Guerra Fria entre o Ocidente e a Rússia. No
entanto, o discurso do Presidente russo tornou público e aberto, de
facto, um processo que nunca terminou, mesmo com a queda do Muro de Berlim, em
Novembro de 1989.
As
Origens da Cortina de Ferro
A
Guerra Fria começou no final da década de 1940, entre outros acontecimentos, com
a criação formal da Organização do Tratado do Atlântico Norte, mas mesmo com o
colapso da União Soviética em 1989-90, ela realmente nunca tinha terminado. Foi
esse o facto, que foi tão desconfortável no discurso de Putin e tão difícil de
ser digerido pelos ouvintes ocidentais.
Com
efeito, Putin expôs as implicações perigosas da estratégia de expansão da NATO após
a Guerra Fria como sendo um cerco à Rússia e não como uma garantia de transição
pacífica para a democracia ao estilo ocidental, para as nações da antiga União
Soviética.
Washington,
o chefe de facto da NATO, tinha estado
a avançar firmemente a sua superioridade militar sobre a Rússia, desde o
colapso da União Soviética. Com as instalações da Defesa contra Mísseis Balísticos
projectadas para a Polónia e a para a República Checa, a situação chegou ao
ponto em que a Rússia se sentiu obrigada a reagir abertamente e sem rodeios.
O que se estava a desenvolver
claramente, nos primeiros anos do novo milénio, era a expansão militar
agressiva dos Estados Unidos. Sob camadas de desinformação calculada e
campanhas efectivas de propaganda sobre a disseminação da democracia ao estilo
dos EUA nas antigas repúblicas soviéticas e nos países do bloco oriental, os
Estados Unidos estavam a aproximar-se de um confronto militar diferente de
qualquer outro mundo desde a Guerra Fria.
O
principal arquitecto da política original de “contenção” da Guerra Fria foi George
F. Kennan, Director do Departamento do Planeamento da Política dos EUA. Em
1948, num memorando de política interna classificado como Top Secret, ele
delineou os objectivos de política externa dos Estados Unidos que estava a
criar o império do pós-guerra conhecido como o Século Americano.
A
tese de Kennan, finalmente tornada pública, era incrivelmente clara:
Temos cerca de 50% da riqueza
mundial, mas apenas 6,3% da população… Nesta situação, não podemos deixar de
ser objecto de inveja e ressentimento. A nossa tarefa concreta, no próximo
período, é conceber um padrão de relações que nos permita manter essa posição
de disparidade sem prejuízo positivo para nossa segurança nacional. Para
fazê-lo, teremos de nos despojar de todo sentimentalismo e devaneio e a nossa
atenção terá de se concentrar, em toda a parte, nos nossos objectivos nacionais
imediatos. Hoje, não temos necessidade de criar a ilusão de que nos podemos dar
ao luxo de ser altruístas e de beneficiar o mundo. (14)
Os
principais planeadores do pós-guerra da América estiveram envolvidos, em 1939,
no Projecto de Estudos de Guerra e Paz, do Conselho das Relações Estrangeiras
de Nova York. A sua estratégia tinha sido criar um tipo de império informal, no
qual a América surgiria como a potência hegemónica não desafiada, numa nova
ordem mundial a ser administrada através da recém-criada Organização das Nações
Unidas.(15)
Os
arquitectos da ordem global dominada pelos Estados Unidos, no pós-guerra,
optaram explicitamente por não denomina-los de “império”. Em vez disso, os
Estados Unidos projectariam o seu poder imperial sob o disfarce de “libertação”
colonial, apoio à “democracia” e à “liberdade”.
Foi um dos golpes de propaganda mais eficazes e diabólicos dos tempos modernos.
Enquanto
os Estados Unidos fossem a maior economia do mundo e os dólares americanos
fossem procurados como moeda de reserva mundial de facto, essa charada
funcionou. Enquanto a Europa Ocidental, o Japão e a Ásia dependessem da protecção
militar dos EUA, o Império Americano poderia efectivamente retratar-se como
sendo o farol da liberdade para as nações recém-independentes da África e da
Ásia.(16)
Uma
barricada Leste-Oeste genuinamente temível surgiu, quando tanques, bombardeiros
e armas de destruição em massa foram colocadas em posição, à volta das
economias socialistas do Pacto de Varsóvia, depois de 1948, bem como a nova República
Popular da China e a Jugoslávia de Tito, separando-os do ‘Mundo livre’,
dominado pelos EUA.
Foi
durante esse período - entre o famoso discurso de Churchill, em Fulton, no Missouri, em 1946 e a criação formal da Organização do Tratado do Atlântico Norte, em Abril de 1949 - que a Eurásia foi efectivamente colocada para além do alcance das
políticas económicas dos EUA. A Eurásia - o vasto tesouro geopolítico que se
estende desde o rio Elba, na Alemanha, até ao Adriático, passando por Sófia,
Bulgária, através do Mar Negro, do Mar Cáspio, passando pela Ásia Central e
pela China, foi desvinculado da influência directa do investimento de capital
dos EUA e, na sua maior parte, para além do alcance das políticas económicas
dos EUA.
A
seguir:
CAPÍTULO UM -- Parte 2